quinta-feira, 13 de junho de 2013

Sobre a história

Acabei parando de atualizar aqui porque achei que não daria em nada.
Ainda assim, a história continua a ser desenvolvida e postada em outro site, o Nyah!Fanfiction, o qual sou membro há 4 anos (sim, chamo-me Yuka lá).
Caso queiram continuar acompanhando, aqui está o link:
http://fanfiction.com.br/historia/337142/A_Clarividente/

Não são obrigados a deixarem comentários se não tiverem uma conta no site, mas não esqueci das pessoas que liam a história por aqui.

Agradecimentos especiais a Mylla, Ax, Marie, Mari (minha aluna) e Victoria (amiga). Se quiserem saber mais sobre a história que já está no capítulo 23, acessem o link acima!

Muito obrigada.

terça-feira, 16 de abril de 2013

Capítulo 11


            Hazael e Ian saíram da casa de Selene à tarde, como haviam combinado no dia anterior, para encontrar Riana na casa da floresta. A maga havia deixado comida pronta para que pudessem almoçar. Ian não parava de reclamar sobre como não havia nada para fazer naquela cidade.
            Hazael havia conhecido o mago de ar enquanto precisou ficar fora de Sira. O primeiro país em que o mago foragido se escondeu foi Verena, logo a sudeste de Sira. Sabendo que o Rei havia mandado guardas ao país para perseguir ao mago, Hazael foi um pouco mais longe: viajou para Nali, onde conheceu o amigo em uma situação peculiar. Salvou-o de magos negros que o perseguiam e pretendiam matá-lo.
            Hazael sabia que Ian era um mago negro também, mas o amigo apenas fugiu junto de si e nunca explicou toda a sua história; não até o momento, pelo menos. Ian foi responsável por ensinar a magia negra a Hazael na época, pouco antes de decidirem voltar para Sira.
            O mago de fogo havia explicado ao amigo que Martin nutria um interesse especial pelos magos clarividentes. O líder dos magos do Rei já havia viajado para Earine, Sesira, Nali e Verena atrás de magos clarividentes, não se sabe ao certo para quê. Esse era um dos motivos pelos quais Hazael queria monitorar Nirina: Martin podia ter um interesse especial por ela, se é que ele ainda ocupava o cargo de líder dos magos do exército do Rei Nasser.
            Quando os dois chegaram à casa da floresta, estava vazia, como haviam deixado um dia antes. Não havia nada de diferente na casa e Ian se jogou em uma das cadeiras, amaldiçoando o caminho não tão longo que precisavam percorrer até ali. Hazael tirou o capuz da túnica com um sorriso, encarando o outro mago.
            — Viu — começou Hazael —, eu disse que é ruim ter que andar tudo isso.
            — Você é preguiçoso pra essas coisas, Hazael, sempre foi.
            — Ah, falou o mago que pode levitar, certo, senhor Ian?
            — Dá um tempo — riu o amigo, fechando os olhos.
            — Quem será que a Selene vai ensinar dessa vez? E por que chamaram ela de volta tão repentinamente?
            — Sei lá — Ian abanou a mão, displicente. Sabia das histórias com os exércitos do Rei por Hazael, mas não conhecia metade das personagens. Apenas Selene. — Será que ela ainda nutre os mesmos sentimentos por você que naquela época?
            — Sei lá — disse Hazael, imitando o amigo. — Ela nunca chegou a dizer isso diretamente para mim, mas eu suspeitava. Hoje, já não sei dizer se é o mesmo.
            Riana chegou correndo, abrindo inesperadamente a porta. Hazael e Ian olharam em sua direção com espanto, assustados.
            — Riana — disse Ian, olhando-a carinhosamente. — O que foi?
            — Nirina — falou, recuperando o fôlego.
            — Acalme-se. Aconteceu algo de ruim?
            — Não, só quis chegar rápido — riu, deixando-se ser guiada por Ian pela mão até uma cadeira. — Nirina foi levada para a Corte hoje cedo para começar seus estudos como maga clarividente.
            — Espera — Hazael estendeu uma mão, rindo. — Quer dizer que a nova aprendiz de magia de água de Selene é Nirina?
            — O quê? — disse Riana, olhando em volta. — É mesmo, onde está Selene?
            — Recebeu uma carta do Rei ontem, dizendo que teriam uma nova aprendiz de magia de água e queriam que ela fosse sua mestra. Deve estar na Corte uma hora dessas.
            — Então com certeza! — exclamou a aprendiz de magia negra, sorrindo. — Nirina era aprendiz de magia de água, e hoje cedo chegaria à Corte. Teremos alguém ainda melhor que eu para repassar informações.
            Hazael ergueu uma sobrancelha e não conseguiu ficar em silêncio.
            — Riana, o que você pensa de nós? Por que tem nos ajudado e confiado tanto em pessoas que nunca viu antes e fala como se nos conhecêssemos há anos?
            — É... — ela começou, depois parou por alguns segundos, surpresa com a pergunta. — Eu nunca gostei de ter uma vida comum. Sabe, acordar, estudar, ajudar com os afazeres de casa, conversar com amigos, ir dormir... Quando conheci Ian e ele disse que poderia me ensinar magia, eu percebi que podia ser uma boa chance de mudar minha vida.
            — Um tanto ingênua, para falar a verdade — disse Hazael, sincero como sempre. — Imaginou o que dois homens poderiam querer chamando uma garota pra uma casa na floresta, certo?
            — Isso passou pela minha cabeça diversas vezes — admitiu. — Mas eu não tive medo. Minha curiosidade e vontade de ver se Ian dizia a verdade foi maior.
            — Bom — disse Ian, aproximando-se e colocando uma das mãos sobre o ombro de Riana — é ótimo que você confiou nas pessoas certas, nesse caso. Como disse, eu e Hazael não queremos lhe forçar a nada.
            — Muito obrigada, vocês dois — disse ela, surpreendendo aos dois. — Eu espero poder continuar vendo-os, e quero poder ajudá-los também.
            — Riana, isso é complicado — começou Hazael.
            — Eu sei que posso não ser de serventia agora, mas eu vou me empenhar e serei uma maga tão habilidosa quanto vocês!
            — Não é esse o problema — disse o mago de fogo, pela primeira vez com um sorriso comovido. — É perigoso, Riana. Eu sou uma pessoa perigosa. Ian é perdido nesse mundo — riu —, então ele não tem com o que se importar. Mas você tem uma família, não pode se arriscar desse modo.
            — Eles têm a própria vida — retrucou ela, chateada. — Sabem se cuidar.
            — Eu não devia estar nesse país, Riana — confessou Hazael. — Se os guardas do Rei descobrirem que estou aqui irão me perseguir. Não gostaria que você estivesse junto se isso acontecesse.
            — O que aconteceu? — perguntou Riana, erguendo uma sobrancelha. — Você é um criminoso ou algo do gênero?
            — Não — riu. — Pode confiar em mim? Quando chegar a hora certa, vou te contar.
            — Eu acho que já estou fazendo isso — assentiu.
            — Riana — disse Ian, distraindo os dois. — Por que não me mostra como está sua magia negra?
            A aprendiz fez que sim com a cabeça e estendeu a mão, pedindo pela faca. Ian entregou o objeto à garota, que cortou a palma da mão esquerda sem hesitar. Quando seu sangue começou a escorrer, ela juntou as mãos e concentrou seus pensamentos. Sem muita demora ali estava o espectro invocado pela jovem maga negra.
            Com um pouco de dificuldade, começou a movimentar seu invocado pela sala, fazendo-o voar pelo cômodo. Ian havia dito que ainda não a ensinaria a fazê-lo lutar pelos altos níveis de concentração que isso exigia.
            — Você pode fazer um espectro lutar por você com quase todos os movimentos que imaginar — disse o mestre — mas isso requer bastante prática. Como eu disse, a magia negra é mais difícil do que parece.
            Riana apenas assentiu com a cabeça, concentrando-se em manter o espectro se movimentado pela sala.
            — Tente fazê-lo mover um de seus braços com força, como se fosse bater em alguém.
            A aprendiz fechou os olhos por um momento e ordenou seu invocado, em pensamento, para que movesse um de seus braços em um movimento rápido, como se fosse bater em alguém que estivesse à sua frente. Tudo o que o espectro fez foi erguer o braço de leve, e nada mais.
            — Está vendo? — disse Ian, sorrindo. — Não é fácil. Batalhar através de espectros requer muita prática e é arriscado. Há tempos esse tipo de magia negra tem caído em desuso por ser difícil de melhorar e com um alto preço. É inviável.
            Ian pegou a faca e fez um corte em sua mão esquerda. Invocou um espectro com rapidez e se sentou em uma cadeira perto de Riana. Ordenou que seu espectro ficasse em frente do espectro de Riana e o deixou parado.
            Com um movimento súbito, o espectro de Ian agarrou o espectro que Riana havia invocado pelo pescoço. Riana se assustou e imediatamente levou a mão à própria garganta, olhando em volta ainda surpresa.
            Devagar, o espírito que Ian invocou começou a apertar mais o pescoço do adversário. Riana estreitou os olhos, observando os dois espectros e o que acontecia em seu corpo. Foi ficando um pouco sem ar e, quando seu mestre percebeu que seus olhos se enchiam de lágrimas, parou.
            — Sentiu? — sorriu Ian, ordenando que seu espectro se distanciasse.
            — É horrível — admitiu a aprendiz, ainda passando a mão pelo pescoço. — Muito horrível.
            — Não é mesmo? — disse o mestre enquanto Hazael os observava. — Se eu continuasse apertando desse jeito, deve imaginar o que aconteceria.
            — Imagino.
            Hazael levantou e ficou olhando para a faca. Estava extremamente entediado.
            — Eu tenho uma pergunta — disse Riana, fazendo Ian olhar para si. — Se os magos negros geralmente ficam em lugares isolados enquanto lutam, como sabem o que está acontecendo ao redor dos espectros?
            — Pela visão dos espectros — respondeu. — Um mago negro consegue ver tudo o que está no campo de visão de um de seus invocados, que se assemelha bastante à de um humano. Não é como se ele pudesse ver tudo o que está à sua volta.
            — Entendi — disse a aprendiz, observando Hazael se aproximar da faca com o canto dos olhos. — E estar longe dos espectros interfere na concentração?
            — Ah, sim — sorriu o mestre. — Quanto mais longe do seu invocado, mais concentração você deve ter ao controlá-lo. Ver o que acontece através do espectro também não é nada fácil. Exige bastante treinamento.
            Ambos, mestre e aprendiz, olharam para Hazael quando ele finalmente fez um corte na mão esquerda e juntou as duas mãos. Ian sorriu e Riana manteve uma expressão surpresa no rosto ao ver o mago de fogo invocar um espectro.
            — Vamos — ele disse, sentando próximo aos outros dois acompanhantes. — Riana adora uma demonstração, não é mesmo? Então vamos mostrar a ela como dois magos experientes lutam com espectros.
            — Por mim, desde que não envolva sangue — riu Ian, retesando-se na cadeira.
            Não demorou muito até que os dois espectros se juntassem. Eles estavam com os braços um contra o outro, como se disputassem a força. Curiosa, Riana percebeu que os espectros não emitiam nenhum som: eram extremamente silenciosos. As duas criaturas invocadas se distanciaram de repente, então, e Riana sentiu uma corrente de ar leve pela casa. Constatou, franzindo a testa, que a maioria das janelas estavam fechadas e que o ar provavelmente vinha da magia de Ian. Quando olhou para o espectro de Hazael, no entanto, viu que este tinha uma de suas mãos levantadas e uma pequena chama aparecia acima dela.
            Para o alívio de Riana, logo o ar dentro da sala parou e o fogo que o espectro de Hazael tinha na mão também sumiu. Provavelmente era só mais uma das demonstrações: então os espectros podiam usar magias relacionadas com os elementos, desde que seu invocador pudesse controlar os elementos também.
            Os espectros travavam uma luta feroz, de ataque e contra-ataque, que parecia interminável. Dessa vez eles não usavam nenhuma magia: lutavam como se tivessem as mãos sem arma alguma. Sentiu um arrepio pelo corpo ao olhar para Ian e Hazael enquanto os espectros se movimentavam: ambos tinham o olhar parado e aparentemente vazio, como se, de fato, olhassem para dentro de suas próprias mentes.
            De repente, os dois deram ordem para que seus espectros ficassem quietos e recobraram a atenção, balançando a cabeça. Hazael apertou os olhos e Ian se espreguiçou, olhando para Riana.
            — Se o invocador não desejar que seu espectro vá embora, isso só será conseguido através de sua morte — contou, olhando para o espectro de Hazael. — Se eu quisesse realmente derrotar Hazael nessa luta, poderia fazer isso o matando através de seu espectro, ou matando a ele. Mas como eu também controlava um espírito, seria impossível para eu matar o próprio Hazael. Seria mais “fácil” matá-lo através do espectro. E, como viu, quando o mago negro é também um mago que controla um dos elementos, seu espectro pode usar as magias.
            — Exatamente tudo o que acontecer no meu espectro, eu sentirei?
            — Não exatamente tudo — respondeu Ian. — Só o que lhe causaria dor.
            — Ainda é magia negra — disse Hazael, encolhendo os ombros e ordenando que seu espectro fosse embora. — Alguém aí está com fome? Porque eu pretendia ir à cidade comprar algo para comer.
            Os dois assentiram, e Hazael pegou sua capa e a pequena bolsa onde guardava seu dinheiro e se preparou para sair. Antes de abrir a porta, virou-se para Ian.
            — Não vai tentar me impedir, Ian? — perguntou, erguendo uma sobrancelha.
            — Não — disse, levantando-se junto com Riana. — Nós vamos junto.
            Mestre e aprendiz ordenaram que seus espectros sumissem e pegaram suas roupas.
            — Podemos passar nas vendas, comprar algo e comer na casa de Selene. Fica mais fácil para Riana ir para casa e nós podemos esperar ela voltar para contar as novidades — sugeriu Ian, animado.
            — Pode ser uma boa ideia — admitiu Hazael, sorrindo novamente. — A casa de Selene é muito mais agradável do que essa, afinal.
            — Pois é — assentiu o amigo, deixando a casa. — Devíamos mesmo seguir o conselho de Riana — acrescentou. — Devíamos sair desse lugar de uma vez por todas.
            — E ficar morando na casa de Selene? Acha que ela vai aprovar isso?
            — Pode ser que aprove — riu Ian, andando em direção à porta. — Nem mesmo sabemos se essa casa tem um dono.
            — Talvez seu dono tenha morrido — sugeriu Riana, seguindo os dois homens.
            — É uma possibilidade.

            Quando chegaram às vendas, Riana se ofereceu para cozinhar algo. Ian e Hazael aceitaram e ela começou a comprar os ingredientes e se distraiu. Hazael puxou o amigo para longe da garota e disse, em tom confidente:
            — Até quando pretende dizer à Riana que esse é o único modo de praticar magia negra? — questionou o mago de fogo, mantendo um olho na aprendiz. — Sabe, logo vamos ter que contar essa outra parte a ela, ou ela vai descobrir por outro alguém e achar que estávamos escondendo, ou pior: mentindo.
            — Eu vou contar — disse Ian, fazendo sinal para que Hazael fizesse silêncio, pois Riana se aproximava. — Eu vou contar.
            A garota voltou quando terminou de escolher os ingredientes e sorriu. Os dois andaram a seu lado e se dirigiram para a casa de Selene. Hazael tinha sempre o cuidado de não retirar o capuz da cabeça, afinal, já se arriscava demais pisando em Ima.
            Riana precisou da ajuda de Hazael e Ian para cozinhar na casa da maga de água. Ela riu quando o mago usou a magia para acender o fogão e às vezes Ian fazia seus cabelos voarem com um pouco de ar, fazendo-a sorrir. Eles eram boa companhia. Os dois tinham personalidades bem diferentes, mas, aos poucos, Hazael estava começando a se abrir também.
            Ian tinha uma naturalidade incrível para conversar com outras pessoas e era simpático, além de bonito. Já Hazael não era assim tão atraente, e tinha a expressão fechada como um aviso: cuidado ao se aproximar. Não tinha medo de falar o que pensava, era ríspido; não ficava calado apenas por conveniência. Sua personalidade atraiu diversos inimigos enquanto servia no exército do Rei, por não ter medo de discordar de quem fosse. Não importava se tinha um cargo superior ou inferior ao seu. Também atraiu muitos admiradores: Selene admirava a coragem e o jeito de ser de Hazael, provavelmente porque tinha vontade de ser como ele, mas não conseguia. Ela era sempre afável e fácil de conviver. Era fácil ficar em silêncio e obedecer ordens. Tinha a expressão amena e um sorriso convidativo, completamente o oposto perfeito de Hazael, motivo pelo qual seus elementos também eram opostos.
            Riana estava perdendo o medo da magia negra aos poucos. Não sabia que ela era mais usada para invocações e sempre a havia visto como algo maléfico. Algo que traria o mal para todas as pessoas que se envolvessem com ela. Mas não era bem assim.
            A aprendiz terminou o jantar com um sorriso e Hazael e Ian a ajudaram a arrumar a mesa.
            — Será que a Selene vai chegar a tempo de jantar? — questionou Riana, querendo puxar assunto.
            — Pode ser — disse Hazael. — Aquelas pessoas da Corte são todos uns chatos, cheios dos rituais de apresentação. Não duvido que ela vá se atrasar e chegar tarde.
            Pouco tempo depois que Hazael terminou de falar, os três magos ouviram um ruído da porta. Selene andou apressada até a cozinha, assustando um pouco ao encontrá-los todos ali. A maga de água sorriu e se aproximou, sentando-se à mesa com eles.
            — Ei, adivinhem — começou ela, sem abandonar o sorriso. — A minha nova aprendiz é a...
            — Nirina — interrompeu Hazael, com um sorriso. — Riana nos contou que conversou com a amiga ontem e ela disse que estava indo para a Corte ter aulas com Zahra. Imaginamos mesmo que fosse ela.
            — Tenho algumas notícias para você, Hazael — acrescentou a anfitriã, séria. — Mas, antes, quem fez esse jantar? Aposto que Hazael e Ian que não foram.
            — Eu fiz — sorriu Riana, sentindo o rosto esquentar levemente. — Espero que esteja bom.
            Os quatro começaram a jantar juntos, mas Selene não conseguiu esperar até o fim para que começasse a contar.
            — Martin ainda está no comando dos magos do exército — disse Selene, tomando um pouco de água. — E não mudou nada. Me encara com o mesmo desdém de sempre, mas não ousou falar seu nome — acrescentou. — Não ligo. Fiquei sabendo depois por Zahra que ele tentou ser o novo mestre de Nirina. Graças a ela, que me indicou, conseguiram livrá-la disso.
            — Que ótimo — disse o mago de fogo, sorrindo. — Espero que a garota fique longe desse homem.
            — Eu também. Parece que Martin ainda tem o incomum interesse em magos clarividentes.
            — Ele tem é inveja — riu Hazael, apoiando no encosto da cadeira e se espreguiçando. — Queria mais do que tudo fazer parte dos magos mais importantes dos países, mas não pode. É um pesar que ele terá que carregar a vida toda. Já que ele não pode ser um deles, quer estar perto dos que são.
            — Temo que não seja só isso — disse Selene. — Eu tenho um estranho sentimento de que ele está sempre tramando algo.
            — Não deve ser nada, Selene — respondeu, fechando os olhos por um instante. — Sabe que cão que ladra não morde. Antes eu desconfiaria de Reno, mas não de Martin.
            — Por que essa desconfiança toda com Reno, Hazael? — indagou Selene, erguendo uma sobrancelha. — O soldado é um bom homem. Fiel, responsável, simpático.
            — Uma ótima fachada.
            Selene afinou os olhos. Havia conversado o suficiente com Reno para não conseguir pensar em nada que sugerisse uma possível traição.
            — O seu problema é que você não consegue acreditar que pessoas boas ainda existem.
            — E existem?
            Riana e Ian ficaram em silêncio.
            — Nirina queria te conhecer.
            — Quem? Ian?
            — Você, Hazael — disse Selene, ainda afinando os olhos. — Arthus contou sua história a ela, contou que havia te ajudado a fugir. Ela disse que você devia ser uma boa pessoa e me perguntou se eu sabia como você estava. Disse que desejava com todas as forças que você estivesse vivo, mas não só isso. Que estivesse bem.
            O mago de fogo ficou em silêncio. Nirina sabia de sua história? Ela queria conhecê-lo?
            — Por que ela queria me conhecer?
            — Arthus disse a ela que você havia se recusado a matar um mago inimigo que estava à beira da morte. Sabemos que isso aconteceu e que parte dos motivos que te obrigaram a fugir foi Martin, mas ela ficou encantada por esse fato. Não sei dizer direito o por quê.
            Os quatro ficaram em silêncio por um tempo. Hazael então levantou, do nada, em direção à sala.
            — Muito obrigado pelo jantar, Riana — sorriu. — Estava ótimo.
            Hazael saiu e Selene o seguiu. Riana ficou com Ian à mesa em silêncio por mais algum tempo. A aprendiz não sabia o que dizer, e Ian não estava certo se devia tentar algo. Quando viu Riana olhar para baixo com um olhar triste, levantou e pôs a mão em seu ombro.
            — Hazael sempre foi assim — sorriu, tentando tranquilizá-la. — Ele passou por algumas situações desagradáveis em sua vida, por isso tem dificuldade em superar alguns episódios — manteve o sorriso. — Eu espero que algum dia algo possa mudar essa visão que ele tem do mundo e das pessoas.
            — Eu também espero — disse Riana.
            — Riana... — disse Ian, depois fechou e apertou os olhos. Não era a melhor hora para falar sobre aquilo.
            — Pois não, Ian? — ela sorriu, olhando-o.
            — Nada — falou, rápido. — Eu ia dizer algo relacionado à nossa próxima aula, mas acho que essa não é a melhor hora. Vamos esperar até lá, tudo bem? Não se preocupe.
            — Ah, se é isso, tudo bem — disse a aprendiz, sentindo que seu coração batia rápido. Suspirou e levantou, começando a juntar os pratos e levá-los à pia. — Acha que se eu falar com Hazael ele pode se sentir melhor?
            — Melhor? — riu Ian, fazendo-a erguer uma sobrancelha. — Hazael não está mal. É preciso mais do que isso para deixá-lo mal. Quem está chateada agora provavelmente é Selene.
            — Quem é Reno? — perguntou Riana, esquecendo por um instante que Ian não era originalmente de Sira.
            — Eu não o conheci, mas pelo que fiquei sabendo ele é líder dos soldados do exército do Rei. Ocupa a mesma posição hierárquica de Martin, o homem com quem Hazael já teve alguns desentendimentos. Martin é líder dos magos do exército do Rei. Reno parece não gostar de Martin também, pelo que Hazael me disse. Aquelas pessoas trabalham juntas faz tempo, e sabe o que acontece quando há um grupo assim. Intrigas e desentendimentos surgem. É algo comum entre os humanos, deve saber.
            — Você sabe a história de Hazael e Selene? — perguntou Riana.
            — Sei — disse Ian. — Eles me contaram.
            — E eles, sabem a sua?
            Ian mordeu o lábio inferior por um instante. Os dois pararam em frente à pia enquanto conversavam. Riana percebeu a apreensão de Ian quanto à pergunta.
            — Lembro que no primeiro dia você disse... “Eu sou muito grato a ele”. O que ele fez?
            — Hazael salvou minha vida — admitiu Ian. — Existem algumas coisas sobre as quais eu não gosto de falar — acrescentou, com um sorriso triste —, mas quando nos encontramos pela primeira vez, eu estava fugindo de magos negros. Eu morava em Nali. Como ele precisou fugir de Sira, encontramos casualmente.
            — É um jeito peculiar de se conhecer — sorriu Riana, curiosa.
            — Pois é — riu ele. — Hazael me ajudou a escapar de meus perseguidores.
            — Por que eles estavam te perseguindo?
            — Ah, cara Riana — disse o mestre, apoiando a mão sobre o ombro da aprendiz. — Essa história fica para uma próxima vez. Já está escuro — observou ele, olhando pelas janelas. Na verdade, uma desculpa para mudar de assunto. — Devo levá-la até sua casa?
            — Ah, é mesmo! — disse ela, apressando-se em se arrumar para voltar. — Preciso ir, ou minha mãe ficará preocupada. Não precisa, Ian, não se preocupe — sorriu. — Minha casa não é tão longe daqui e eu conheço bem o caminho.
            — Tudo bem. Amanhã venha aqui para as aulas. Acho melhor que fazer você andar até a floresta.
            — Está preocupado?
            Ian sentiu o rosto esquentar. Olhou para o lado e se deu um tapa na cara mentalmente, dizendo para parar de agir como uma adolescente insegura.
            — Claro que estou preocupado. Você é uma moça nova e bonita, não pode ficar andando sozinha por essas estradas.
            Riana virou-se imediatamente ao ouvir suas palavras. Ian ergueu uma sobrancelha, achando que não havia falado nada de mais. A garota, no entanto, estava com o coração disparado.
            — Sou muito grata por sua preocupação, mestre — ela disse, em tom de brincadeira. — Voltarei amanhã para as aulas. E vou querer saber o que você disse que falaria na próxima aula!
            — Eu vou me lembrar disso.
            Ian acompanhou Riana até a porta. Quando passou por ali, Hazael estava jogado no sofá – aparentemente – dormindo e Selene não estava à vista. Virou-se para Ian, pediu que mandasse uma boa noite a Selene e a Hazael e deixou a casa. O mago de ar suspirou ao ver o amigo dormindo e pensou em como a maga de água estaria. Resolveu, no entanto, que arrumaria a cozinha para a dona da casa antes que ficasse tarde e pôs-se a trabalhar.

sábado, 30 de março de 2013

Capítulo 10


            Zahra bateu na porta dos aposentos da Rainha Naama, e não obteve resposta por algum tempo. Manteve-se ali em pé, esperando. Bateu de novo e esperou mais um pouco, quando a Rainha finalmente atendeu.
            — Eu não quero falar, Zahra, por favor — ela deixou a porta entreaberta. — Volte outra hora, por favor.
            — Naama, deixe-me entrar. Precisamos falar.
            Naama suspirou de forma contrariada e abriu a porta para a maga e, algumas vezes, sua confidente. Zahra era esperta, confiante, e habilidosa com as palavras, por isso, era uma das poucas pessoas que aguentava uma conversa com a – irritante – Rainha.
            — Nasser me pediu para dizer que se acostume com a ideia de ter Nirina como aprendiz do reino — disse Zahra, cuidadosa. Não queria contrariar a senhora do reino tão cedo.
            — Eu sei — assentiu Naama, sem vontade. — Ele vem me dizendo isso desde que recebemos a carta de Arthus.
            — A jovem não tem nada a ver com os acontecimentos do passado, minha senhora, entenda, por favor. Isso será melhor para todos nós, inclusive para a senhora, Naama.
            — Obrigada pela tentativa de consolo, Zahra, mas sabe que eu não consigo engolir aquela... Aquela filha de magos tão arrogantes.
            A maga balançou a cabeça diante do depósito tão grande de ódio que Naama conseguia conter dentro de si. Afinou os olhos.
            — Sinto muito, senhora Naama, mas sua decisão é imprudente e não é sábia — desafiou Zahra, a única capaz de contrariar a Rainha. — Nirina é importante para o reino. Ela é sábia apesar da pouca idade e é forte. Cresceu sem conhecer seus pais e agora vai crescer sem Arthus, que era como um pai. Admita que o reino precisa de Nirina, e esqueça os desentendimentos do passado.
            — Você fala isso como alguém que não sente o que eu sinto — prosseguiu com o desafio, acostumada às conversas com Zahra. — Farei o que for necessário para que Nirina cresça como clarividente, pelo Reino. Por Sira. Não por você, não por Nasser.
            — É o que estive pedindo esse tempo todo, minha senhora. Esqueça os sentimentos e governe como alguém racional.
            — Está dizendo que não sei ser racional em minhas decisões, Zahra?
            — Foi o que deixei claro, não foi? Eu disse com todas as letras. Afinal, é só olhar para você, para ver o quanto de ódio você está sentindo. Esse sentimento esquecido foi revivido, e você não vê Nirina como a pessoa que é. Vê Nirina como Elisa!
            — Não fale o nome dessa mulher — disse Naama, parando por uns segundos. — Zahra, saia. Disse que não queria falar e você está apenas dizendo coisas que não quero ouvir.
            — As coisas que você não quer ouvir tem nome, Naama — disse Zahra em tom áspero, se afastando até a porta. — As coisas que você não quer ouvir se chamam “Verdade”, minha senhora, e por isso elas doem tanto.
            Naama mordeu o lábio inferior, contrariada, sentindo os olhos encherem de lágrimas. Apertou as mãos e ergueu a cabeça, decidindo que não choraria por nada. Nem pelas coisas que Zahra dizia, nem por Nirina, nem por Nasser. Muito menos por se lembrar de Elisa, nem por se lembrar de Adiel. Limpou as lágrimas dos olhos de modo sutil e passou as mãos pelo belo vestido longo, recompondo-se. Decidiu que seria mais energética com Zahra da próxima vez que ela tentasse falar essas bobeiras. Perguntou-se onde Martin estaria e saiu do quarto a sua procura.


            Selene e Nirina haviam terminado de arrumar as coisas e estavam à mesa da sala de estudos tomando chás que Selene havia preparado. A aprendiz os achou tão bons quanto os de Arthus e sentiu-se satisfeita por isso. As duas mantinham-se em silêncio a maior parte do tempo. Quando ouviram alguém bater à porta, Selene se precipitou em levantar e atender.
            — Senhora Zahra — disse Selene, sorrindo, dando um passo para o lado convidando-a a entrar. — Quer que eu a deixe com Nirina para que possam conversar?
            — Por favor, Selene — assentiu Zahra, agradecendo.
            — Há chás na mesa — sorriu a mestra, antes de sair. — Sinta-se à vontade.
            — Muito obrigada, Selene, não devo demorar. Em breve a chamarei de novo.
            Selene assentiu com uma leve inclinação da cabeça e as deixou. Assim que Zahra entrou, Nirina se levantou.
            — Senhora Zahra! — exclamou sorrindo, empolgada.
            — Por favor, Nirina — ela riu. — Só Zahra está ótimo. Somos mestra e aprendiz a partir de agora.
            — Se assim desejar, Zahra — sentiu-se no lugar de Kevin e compreendeu como era difícil deixar o tratamento formal de lado ao se dirigir com alguém superior. Pensou no soldado e em Reno e sorriu. Constatou, surpresa, que estava com uma leve saudade da voz energética do líder do exército.
            — Como está se sentindo? — perguntou, sentando-se à mesa e pegando um pouco de chá.
            — Deslocada, como era de se esperar — ela deu um sorriso sem graça. — Já sinto falta de Arthus e de minha amiga Riana, mas estou gostando. Não de tudo, mas estou gostando.
            Zahra riu divertida. Imaginou que se daria bem com Nirina.
            — Você é sincera, gosto disso.
            — Obrigada, mestra.
            A clarividente sentiu comoção pela garota ao ser chamada desse jeito.
            — Sabe, eu posso sentir sua presença — disse Zahra. — Você tem um grande poder mágico. Magos clarividentes podem sentir a presença um do outro, assim como podem sentir a presença de magos negros. Sabia disso?
            — Sabia sobre os magos negros, não sobre os outros clarividentes. Não sinto nada da sua presença.
            — Isso acontece porque a presença dos magos negros é mais fácil de ser sentida. Algo quase automático, por não ser algo natural. A maioria dos magos negros não controlam outros elementos.
            — Por que isso? — indagou Nirina, curiosa.
            — Começou em batalhas, quando reis perceberam que controlar espectros dava uma grande vantagem nas guerras. Mas, como sabe, o que um espectro sofre reflete em seu invocador, e perder magos elementais seria perder demais. Por isso, vários reis ordenaram que a magia negra fosse ensinada a soldados comuns, para que pudesse combater com espectros e a vida dos magos natos fosse preservada.
            — Isso é um tanto covarde.
            — É o que eu também acho. Existe outra coisa que quero que saiba desde já. Magos negros também podem sentir a presença de clarividentes, mas não todos. Apenas os magos elementais que aprenderam magia negra conseguem sentir a presença dos clarividentes. Pessoas comuns que aprenderam magia negra não podem sentir um mago clarividente, o que era uma desvantagem nessas guerras. Clarividentes encontravam os invocadores dos espectros e os matavam de surpresa. Já com os magos elementais que aprenderam magia, é um pouco mais difícil, embora não tanto, já que a concentração para controlar os espectros é alta demais.
            — É bom saber mais sobre isso — disse Nirina, tomando um pouco de sua xícara. — Estou ansiosa para começar com as aulas de clarividência.
            — Eu também estou — admitiu Zahra.— Nunca tive uma aprendiz antes. É bom que saiba desde agora que aprender magia clarividente requer, acima de tudo, muita meditação e concentração. Consiste em treinar e controlar sua mente, que tem um poder maior que a dos magos comuns e, sem a preparação necessária, pode fugir de seu controle. É como uma faca de dois gumes: sem o treinamento adequado, essa habilidade pode te levar à loucura. Mas não se preocupe — tranquilizou-a —, isso não vai acontecer agora que vamos começar com as aulas.
            — Fico feliz e aliviada — disse Nirina. — Será hoje?
            — Amanhã. Hoje quero que você arrume todas as suas coisas e se acostume com o lugar onde vai morar. Já conheceu seus vizinhos aqui ao lado?
            — Existem aprendizes morando aqui também?
            — Sim — sorriu Zahra. — Outros aprendizes, geralmente da família do Rei ou conhecidos, que futuramente servirão no exército de magos. Gostará de conhecê-los.
            — Espero que sim mesmo — assentiu Nirina. — Agora preciso de novos amigos, já que não tenho mais Riana.
            — Eu posso contar como uma? — perguntou, com um sorriso discreto.
            — É claro que sim! — respondeu Nirina, surpresa e satisfeita. — Muito obrigada por tudo, Zahra.
            — Vejo-a amanhã?
            — Com toda certeza, mestra.
            — Cuide-se — sussurrou Zahra. — Existem alguns predadores te rondando — ela riu.
            — O quê?
            — Amanhã lhe conto mais. Vou chamar Selene de volta.
            — Muito obrigada por tudo.
            Zahra sorriu e se reverenciou de forma suave. Nirina ficou sozinha durante algum tempo no quarto até que sua outra mestra voltasse, pensando no que a clarividente havia falado antes de sair.
            — Nirina — disse Selene, da porta. — Devemos começar nossas aulas amanhã, assim como suas aulas com Zahra. Ela lhe avisou, certo?
            — Sim — respondeu, terminando de tomar o chá.
            — Devo lhe deixar sozinha agora para que descanse, logo virão chamá-la para o almoço com os outros aprendizes. Encontre-nos no salão principal, o que você chegou agora cedo. Vou mandar alguém para arrumar essa mesa e levar as xícaras embora.
            — Certo — sorriu Nirina, desacostumada a não fazer nada. — Obrigada.
            Pouco tempo depois que Selene saiu, entrou uma serviçal baixa e magra, que tinha os movimentos rápidos e precisos, e que entrou em silêncio e saiu em silêncio reverenciando Nirina de forma breve em despedida. A aprendiz ergueu uma sobrancelha e foi para a cama de seu quarto, jogando-se no colchão.
            Sentiu-se sozinha novamente. Suspirou pensando em Arthus e como queria ter alguém para conversar. Passou pouco tempo deitada olhando para o teto até que ouviu batidas à porta. Seria Selene ou Zahra de volta? Será que elas haviam esquecido algo? Percebendo o quanto estava feliz por ficar sozinha, suspirou sem vontade, mas colocou uma expressão amena no rosto antes de atender. Quando a abriu, no entanto, sentiu vontade de fechar.
            — Olá, Nirina — disse o visitante, estendendo a mão para cumprimentá-la. Ela a apertou sem vontade e se forçou a abrir um sorriso amigável.
            — Pois não, Martin? Em que posso ajudá-lo?
            — Vim ver se a nova aprendiz precisa de algo — disse ele, com um irritante sorriso no rosto.
            — Estou bem, obrigada. Tenho Kevin para olhar por mim.
            — Kevin... Sei — riu Martin, cruzando os braços à frente do corpo e erguendo as sobrancelhas. — Não vai me convidar para entrar?
            Nirina deu um passo para o lado em silêncio, convidando-o com um gesto simples da mão, estendendo-a para o interior do cômodo.
            Martin entrou e olhou em volta, ainda com os braços cruzados. Sentou-se à mesinha sem ser convidado e Nirina manteve-se em pé.
            — Nenhum chá? Nada?
            — Desculpe — disse a aprendiz, fingindo arrependimento. — Você veio sem avisar e eu cheguei há pouco.
            — Ah, é claro — riu Martin. — Você tem razão. Então, o que está achando da nova casa?
            — É ótima.
            — Deve se sentir sozinha, não? Sem Arthus para lhe fazer companhia...
            — Um pouco, mas eu me acostumo.
            — Sábia — disse ele, sem abandonar o sorriso irritante que tinha no rosto. — E o que já sabe sobre os mais importantes da Corte, aqueles que os receberam na chegada?
            — O suficiente — limitou-se a dizer, arrancando outra risada de escárnio de Martin. — Como disse, cheguei há pouco tempo.
            — Entendo, entendo — disse, levantando. — Só tome cuidado com as pessoas em que quer confiar. Sabe, esse mundo é bem diferente da casinha de madeira em que Arthus vivia, espero que ele tenha te falado tudo sobre isso.
            Nirina manteve-se em silêncio, feliz pelo mago ter feito menção de ir embora.
            — Ah, se precisar de algo, não hesite em me chamar. Voltarei para visitas regulares, às ordens da Rainha.
            — Obrigada — disse, segurando a vontade de mandá-lo embora de uma vez por todas.
            Quando abriu a porta, avistou alguém que com certeza lhe faria uma visita agradável: Reno. Estava se sentindo como a atração principal do dia, mas imaginou que fosse algo normal. Assim que o líder dos soldados se aproximou do líder dos magos, no entanto, pareceu ignorar completamente que Nirina estava ao lado.
            — O que você veio fazer aqui, Martin? — disse Reno em tom áspero, um tom que Nirina nem imaginou que sua voz fosse capaz de adquirir.
            — Ora, Reno e sua simpatia de sempre para comigo — Martin disse, rindo. A aprendiz ficou olhando para os dois, imaginando qual era o desentendimento entre eles. “Não deve ser difícil se desentender com Martin, afinal”. — Vim apenas ver se nossa querida aprendiz necessita de algo.
            — Com certeza não — olhou para Nirina com um sorriso, depois afinou os olhos para o mago. — Dá o fora daqui.
            — Estava mesmo de saída — falou Martin, como se não quisesse admitir que faria o que Reno pedia —, não se preocupe. Mas voltarei. A Rainha Naama me pediu que ficasse de olho em Nirina.
            — Imagino mesmo qual deve ser a preocupação da Rainha com a jovem — depois pigarreou, lembrando-se de que Nirina estava parada ao lado. — Suas roupas — riu Reno, arrancando um rosnado de Martin. — Está demorando pra sair, Martin, quer ajuda?
            — Não — respondeu Martin, irritado. — Até mais, Nirina. Só pra constatar, eu tentei ser seu novo mestre — acrescentou, desafiando o olhar de Reno. — Se não gosta da minha companhia, agradeça a Zahra por ter sugerido Selene, que há anos não tinha uma aprendiz do reino. — Sentiu um tom de desprezo enquanto ele mencionava o nome da nova mestra de água, então lembrou que Martin odiava Hazael e Selene era apaixonada pelo mago de fogo. Ele provavelmente sabia disso.
            — Sai logo daqui, Martin! — disse Reno, elevando a voz. — Duvido que a sua magia lhe servirá muito bem se eu decidir desembainhar a minha espada.
            — Cuidado, Reno, cuidado — sorriu, aquele sorriso irritante novamente. — Você tem falado demais ultimamente. Não vá perder seu cargo por isso, hein?
            — Esquece que ocupamos o mesmo nível hierárquico? Saia de uma vez por todas ou saio eu.
            — Martin — disse Nirina, chamando a atenção dos dois homens. — Faça como Reno pede, por favor. Sem mais discussões em frente a meu quarto, e eu quero a companhia do líder dos soldados. Queira fazer a gentileza.
            Martin ergueu uma sobrancelha, surpreso com a atitude e a educação da garota. Foi sábio o suficiente para sair em silêncio enquanto Reno exibia um sorriso vitorioso, tirando a mão da espada atada à sua cintura.
            — Muito obrigado pela intervenção, Nirina. Eu estava prestes a te desrespeitar com uma violência desnecessária.
            Nirina se inclinou para perto de Reno. Com um sorriso, sussurrou:
            — Podia ter dado um soco nele por mim — depois, riu, seguida por Reno. — Queira entrar, por favor.
            O líder dos soldados seguiu a aprendiz, fechando a porta atrás de si depois.
            — Martin parece esquecer que eu, embora inexperiente, sou uma maga clarividente. Dificilmente vou me enganar com relação à personalidade de alguém.
            — Ele é assim mesmo — disse Reno. — Vim só para uma visita rápida.
            — Veio em boa hora para me salvar de Martin.
            — Ele lhe disse algo desagradável? Porque ele parece ter um talento natural para essas coisas.
            — Não exatamente, mas era sempre insinuante.
            — Como esperado. Se precisar de ajuda, me chame. Pode ser por Kevin também. Eu soube que Martin estava de olho em você por isso designei um de meus homens mais fiéis para me manter a par da situação. Você pode confiar em Kevin.
            — Muito obrigada, Reno — disse, comovida. — Sua ajuda é de grande valia.
            — Você é diferente, sabia? — ele riu, fazendo-a erguer uma sobrancelha. — Fala como uma pessoa mais velha apesar da idade. Me faz lembrar de Zahra.
            — Isso é um elogio e tanto, obrigada.
            — Vamos nos dar muito bem, mas voltarei, às minhas ordens — riu ao lembrar de Martin, fazendo a jovem sorrir. — Vou dizer algo desnecessário, mas que vale a pena relembrar: tome cuidado com esse homem.
            — É. Você não é o primeiro a me dizer isso.
            — Pois é, ainda existem algumas pessoas sensatas por aqui. Bem — disse Reno, aproximando-se da porta — você deve estar cansada de receber tantas visitas. Deixarei que descanse até a hora do almoço.
            — É bom vê-lo, Reno. Seu bom humor é contagiante.
            — Eu tento! — riu de forma divertida, acenando. — Vejo-a em breve.
            — Até mais, Reno!
            Fechou a porta de seu quarto, suspirando. As pessoas que não gostavam de Martin diziam para tomar cuidado com ele; Martin a dizia para tomar cuidado com as pessoas que ele não gostava. Sentia-se confusa tão cedo e, apesar de gostar de Selene, Reno e Zahra, não conhecia nenhum dos três há bastante tempo para confiar cem por cento. Sabia que detestava Martin. Detestara-o desde que soube que ele era responsável pela perseguição a Hazael. Martin podia dizer o que quisesse, mas jamais confiaria nele.
            De repente, lembrou-se da recepção áspera da Rainha e o que Nasser havia dito, sobre problemas passados que a Rainha não conseguia superar. Franziu a testa enquanto olhava para o teto, deitada na cama, apreciando o silêncio do lugar. Mas a hora passava rápido e em breve a chamariam para o salão principal, onde se reuniria com os outros aprendizes para o almoço então outro ritual de apresentações seguiria.
            Fechou os olhos e chegou a sentir a respiração ficar mais profunda. O colchão era confortável e o silêncio, aconchegante. Sentou-se na cama assustada pelas batidas à porta, e logo foi atender. Torceu para que não fosse Martin, nem a Rainha Naama.
            Assim que abriu, a mesma serviçal rápida e silenciosa que levara as xícaras do chá estava a sua frente. A moça fez uma reverência leve e anunciou:
            — Estão esperando sua presença no salão principal para o almoço com os outros aprendizes, senhorita Nirina — depois, entregou túnicas novas, de cor roxa: a mesma cor que Zahra usava enquanto estava no reino, como clarividente. — Deve usar essas túnicas publicamente como uniforme agora. Vista-se e estarão à espera. Necessita de mais alguma coisa?
            — Não, muito obrigada — disse a aprendiz com um sorriso, e logo a serviçal se virou e foi embora, sem dizer nada a mais.
            Nirina entrou e trocou as roupas pela túnica roxa. Ela era linda. O tecido era fosco como a túnica azul de Martin, mas de um roxo escuro que a aprendiz adorou. Era larga, descia até seus pés e as mangas eram igualmente largas. O tecido pendia de seus pulsos, dando-lhe um ar de ser mais velha. Nirina gostou e tomou o caminho até o salão principal.
            Quando chegou, avistou várias pessoas desconhecidas. Provavelmente eram os aprendizes e seus mestres. Percebeu que Selene e Zahra estavam ali também, e ela logo foi ao encontro das duas.
            Todos estavam em silêncio e Zahra logo seguiu com as apresentações.
            — Nirina, você terá tempo para conhecê-los melhor, mas — conduziu sua aprendiz pela fileira, da esquerda para a direita: — Adrien e seu mestre, Raoni.
            Ambos se reverenciaram e deram as boas vindas. Como magos de terra, vestiam a túnica cinza escuro. Os aprendizes não tinham as pontas das túnicas enfeitadas, e os mestres tinham as pontas enfeitadas como as de Martin, mas com a cor prateada.
            — Ísis e sua mestra, Shira. — Como magas de fogo, vestiam a túnica vermelha. — Aiko e seu mestre, Sven — magos de ar, vestiam a cor verde. — Laina e sua mestra, Ranya — como também eram magas de ar, vestiam o verde. — E, por fim, aprendizes, devem ter ouvido sobre Nirina, maga de água e aprendiz de clarividente. Selene e eu seremos suas mestras. Devemos seguir para o refeitório?
            Nirina respirou fundo de forma inaudível e seguiu suas mestras. Estava cansada de tantas apresentações. Percebeu que queria deitar em sua cama e dormir pelo resto dia.
            Chegou ao almoço, no entanto, um grande banquete perfeitamente servido. Poucos serviçais iam e vinham, terminando os últimos detalhes. Ela sentiu falta dos almoços simples na casa de Arthus.
            O almoço seguiu de forma rápida. Os aprendizes e seus mestres estavam em silêncio, como se temessem dizer algo. Nirina gostou da comida, mas não gostou muito da companhia: se não fosse pelas tentativas de Selene e Zahra de conversar, ninguém teria dito uma palavra.
            Saiu rápido do salão quando terminou o almoço, despedindo-se de todos de forma atenciosa e se enfiou em seu quarto. Jogou-se na cama e abraçou seu travesseiro, sem conseguir parar de pensar em Arthus e Riana. Estava rodeada por pessoas desconhecidas e de costumes estranhos, e ela se sentia completamente perdida.
            Não demorou muito para adormecer, desejando que o dia seguinte demorasse a chegar.