Hazael
e Ian saíram da casa de Selene à tarde, como haviam combinado no dia anterior,
para encontrar Riana na casa da floresta. A maga havia deixado comida pronta
para que pudessem almoçar. Ian não parava de reclamar sobre como não havia nada
para fazer naquela cidade.
Hazael
havia conhecido o mago de ar enquanto precisou ficar fora de Sira. O primeiro
país em que o mago foragido se escondeu foi Verena, logo a sudeste de Sira.
Sabendo que o Rei havia mandado guardas ao país para perseguir ao mago, Hazael
foi um pouco mais longe: viajou para Nali, onde conheceu o amigo em uma
situação peculiar. Salvou-o de magos negros que o perseguiam e pretendiam
matá-lo.
Hazael
sabia que Ian era um mago negro também, mas o amigo apenas fugiu junto de si e
nunca explicou toda a sua história; não até o momento, pelo menos. Ian foi
responsável por ensinar a magia negra a Hazael na época, pouco antes de
decidirem voltar para Sira.
O
mago de fogo havia explicado ao amigo que Martin nutria um interesse especial
pelos magos clarividentes. O líder dos magos do Rei já havia viajado para
Earine, Sesira, Nali e Verena atrás de magos clarividentes, não se sabe ao
certo para quê. Esse era um dos motivos pelos quais Hazael queria monitorar
Nirina: Martin podia ter um interesse especial por ela, se é que ele ainda
ocupava o cargo de líder dos magos do exército do Rei Nasser.
Quando
os dois chegaram à casa da floresta, estava vazia, como haviam deixado um dia
antes. Não havia nada de diferente na casa e Ian se jogou em uma das cadeiras,
amaldiçoando o caminho não tão longo que precisavam percorrer até ali. Hazael
tirou o capuz da túnica com um sorriso, encarando o outro mago.
—
Viu — começou Hazael —, eu disse que é ruim ter que andar tudo isso.
—
Você é preguiçoso pra essas coisas, Hazael, sempre foi.
—
Ah, falou o mago que pode levitar, certo, senhor Ian?
—
Dá um tempo — riu o amigo, fechando os olhos.
—
Quem será que a Selene vai ensinar dessa vez? E por que chamaram ela de volta
tão repentinamente?
—
Sei lá — Ian abanou a mão, displicente. Sabia das histórias com os exércitos do
Rei por Hazael, mas não conhecia metade das personagens. Apenas Selene. — Será
que ela ainda nutre os mesmos sentimentos por você que naquela época?
—
Sei lá — disse Hazael, imitando o amigo. — Ela nunca chegou a dizer isso
diretamente para mim, mas eu suspeitava. Hoje, já não sei dizer se é o mesmo.
Riana
chegou correndo, abrindo inesperadamente a porta. Hazael e Ian olharam em sua
direção com espanto, assustados.
—
Riana — disse Ian, olhando-a carinhosamente. — O que foi?
—
Nirina — falou, recuperando o fôlego.
—
Acalme-se. Aconteceu algo de ruim?
—
Não, só quis chegar rápido — riu, deixando-se ser guiada por Ian pela mão até
uma cadeira. — Nirina foi levada para a Corte hoje cedo para começar seus
estudos como maga clarividente.
—
Espera — Hazael estendeu uma mão, rindo. — Quer dizer que a nova aprendiz de
magia de água de Selene é Nirina?
—
O quê? — disse Riana, olhando em volta. — É mesmo, onde está Selene?
—
Recebeu uma carta do Rei ontem, dizendo que teriam uma nova aprendiz de magia
de água e queriam que ela fosse sua mestra. Deve estar na Corte uma hora
dessas.
—
Então com certeza! — exclamou a aprendiz de magia negra, sorrindo. — Nirina era
aprendiz de magia de água, e hoje cedo chegaria à Corte. Teremos alguém ainda
melhor que eu para repassar informações.
Hazael
ergueu uma sobrancelha e não conseguiu ficar em silêncio.
—
Riana, o que você pensa de nós? Por que tem nos ajudado e confiado tanto em
pessoas que nunca viu antes e fala como se nos conhecêssemos há anos?
—
É... — ela começou, depois parou por alguns segundos, surpresa com a pergunta.
— Eu nunca gostei de ter uma vida comum. Sabe, acordar, estudar, ajudar com os
afazeres de casa, conversar com amigos, ir dormir... Quando conheci Ian e ele
disse que poderia me ensinar magia, eu percebi que podia ser uma boa chance de
mudar minha vida.
—
Um tanto ingênua, para falar a verdade — disse Hazael, sincero como sempre. —
Imaginou o que dois homens poderiam querer chamando uma garota pra uma casa na
floresta, certo?
—
Isso passou pela minha cabeça diversas vezes — admitiu. — Mas eu não tive medo.
Minha curiosidade e vontade de ver se Ian dizia a verdade foi maior.
—
Bom — disse Ian, aproximando-se e colocando uma das mãos sobre o ombro de Riana
— é ótimo que você confiou nas pessoas certas, nesse caso. Como disse, eu e
Hazael não queremos lhe forçar a nada.
—
Muito obrigada, vocês dois — disse ela, surpreendendo aos dois. — Eu espero
poder continuar vendo-os, e quero poder ajudá-los também.
—
Riana, isso é complicado — começou Hazael.
—
Eu sei que posso não ser de serventia agora, mas eu vou me empenhar e serei uma
maga tão habilidosa quanto vocês!
—
Não é esse o problema — disse o mago de fogo, pela primeira vez com um sorriso
comovido. — É perigoso, Riana. Eu sou uma pessoa perigosa. Ian é perdido nesse
mundo — riu —, então ele não tem com o que se importar. Mas você tem uma
família, não pode se arriscar desse modo.
—
Eles têm a própria vida — retrucou ela, chateada. — Sabem se cuidar.
—
Eu não devia estar nesse país, Riana — confessou Hazael. — Se os guardas do Rei
descobrirem que estou aqui irão me perseguir. Não gostaria que você estivesse
junto se isso acontecesse.
—
O que aconteceu? — perguntou Riana, erguendo uma sobrancelha. — Você é um
criminoso ou algo do gênero?
—
Não — riu. — Pode confiar em mim? Quando chegar a hora certa, vou te contar.
—
Eu acho que já estou fazendo isso — assentiu.
—
Riana — disse Ian, distraindo os dois. — Por que não me mostra como está sua
magia negra?
A
aprendiz fez que sim com a cabeça e estendeu a mão, pedindo pela faca. Ian
entregou o objeto à garota, que cortou a palma da mão esquerda sem hesitar.
Quando seu sangue começou a escorrer, ela juntou as mãos e concentrou seus
pensamentos. Sem muita demora ali estava o espectro invocado pela jovem maga
negra.
Com
um pouco de dificuldade, começou a movimentar seu invocado pela sala, fazendo-o
voar pelo cômodo. Ian havia dito que ainda não a ensinaria a fazê-lo lutar
pelos altos níveis de concentração que isso exigia.
—
Você pode fazer um espectro lutar por você com quase todos os movimentos que
imaginar — disse o mestre — mas isso requer bastante prática. Como eu disse, a
magia negra é mais difícil do que parece.
Riana
apenas assentiu com a cabeça, concentrando-se em manter o espectro se
movimentado pela sala.
—
Tente fazê-lo mover um de seus braços com força, como se fosse bater em alguém.
A
aprendiz fechou os olhos por um momento e ordenou seu invocado, em pensamento,
para que movesse um de seus braços em um movimento rápido, como se fosse bater
em alguém que estivesse à sua frente. Tudo o que o espectro fez foi erguer o
braço de leve, e nada mais.
—
Está vendo? — disse Ian, sorrindo. — Não é fácil. Batalhar através de espectros
requer muita prática e é arriscado. Há tempos esse tipo de magia negra tem
caído em desuso por ser difícil de melhorar e com um alto preço. É inviável.
Ian
pegou a faca e fez um corte em sua mão esquerda. Invocou um espectro com
rapidez e se sentou em uma cadeira perto de Riana. Ordenou que seu espectro
ficasse em frente do espectro de Riana e o deixou parado.
Com
um movimento súbito, o espectro de Ian agarrou o espectro que Riana havia
invocado pelo pescoço. Riana se assustou e imediatamente levou a mão à própria
garganta, olhando em volta ainda surpresa.
Devagar,
o espírito que Ian invocou começou a apertar mais o pescoço do adversário.
Riana estreitou os olhos, observando os dois espectros e o que acontecia em seu
corpo. Foi ficando um pouco sem ar e, quando seu mestre percebeu que seus olhos
se enchiam de lágrimas, parou.
—
Sentiu? — sorriu Ian, ordenando que seu espectro se distanciasse.
—
É horrível — admitiu a aprendiz, ainda passando a mão pelo pescoço. — Muito
horrível.
—
Não é mesmo? — disse o mestre enquanto Hazael os observava. — Se eu continuasse
apertando desse jeito, deve imaginar o que aconteceria.
—
Imagino.
Hazael
levantou e ficou olhando para a faca. Estava extremamente entediado.
—
Eu tenho uma pergunta — disse Riana, fazendo Ian olhar para si. — Se os magos
negros geralmente ficam em lugares isolados enquanto lutam, como sabem o que
está acontecendo ao redor dos espectros?
—
Pela visão dos espectros — respondeu. — Um mago negro consegue ver tudo o que
está no campo de visão de um de seus invocados, que se assemelha bastante à de
um humano. Não é como se ele pudesse ver tudo o que está à sua volta.
—
Entendi — disse a aprendiz, observando Hazael se aproximar da faca com o canto
dos olhos. — E estar longe dos espectros interfere na concentração?
—
Ah, sim — sorriu o mestre. — Quanto mais longe do seu invocado, mais
concentração você deve ter ao controlá-lo. Ver o que acontece através do
espectro também não é nada fácil. Exige bastante treinamento.
Ambos,
mestre e aprendiz, olharam para Hazael quando ele finalmente fez um corte na
mão esquerda e juntou as duas mãos. Ian sorriu e Riana manteve uma expressão
surpresa no rosto ao ver o mago de fogo invocar um espectro.
—
Vamos — ele disse, sentando próximo aos outros dois acompanhantes. — Riana
adora uma demonstração, não é mesmo? Então vamos mostrar a ela como dois magos
experientes lutam com espectros.
—
Por mim, desde que não envolva sangue — riu Ian, retesando-se na cadeira.
Não
demorou muito até que os dois espectros se juntassem. Eles estavam com os
braços um contra o outro, como se disputassem a força. Curiosa, Riana percebeu
que os espectros não emitiam nenhum som: eram extremamente silenciosos. As duas
criaturas invocadas se distanciaram de repente, então, e Riana sentiu uma
corrente de ar leve pela casa. Constatou, franzindo a testa, que a maioria das
janelas estavam fechadas e que o ar provavelmente vinha da magia de Ian. Quando
olhou para o espectro de Hazael, no entanto, viu que este tinha uma de suas
mãos levantadas e uma pequena chama aparecia acima dela.
Para
o alívio de Riana, logo o ar dentro da sala parou e o fogo que o espectro de
Hazael tinha na mão também sumiu. Provavelmente era só mais uma das
demonstrações: então os espectros podiam usar magias relacionadas com os
elementos, desde que seu invocador pudesse controlar os elementos também.
Os
espectros travavam uma luta feroz, de ataque e contra-ataque, que parecia
interminável. Dessa vez eles não usavam nenhuma magia: lutavam como se tivessem
as mãos sem arma alguma. Sentiu um arrepio pelo corpo ao olhar para Ian e
Hazael enquanto os espectros se movimentavam: ambos tinham o olhar parado e
aparentemente vazio, como se, de fato, olhassem para dentro de suas próprias
mentes.
De
repente, os dois deram ordem para que seus espectros ficassem quietos e
recobraram a atenção, balançando a cabeça. Hazael apertou os olhos e Ian se
espreguiçou, olhando para Riana.
—
Se o invocador não desejar que seu espectro vá embora, isso só será conseguido
através de sua morte — contou, olhando para o espectro de Hazael. — Se eu
quisesse realmente derrotar Hazael nessa luta, poderia fazer isso o matando
através de seu espectro, ou matando a ele. Mas como eu também controlava um
espírito, seria impossível para eu matar o próprio Hazael. Seria mais “fácil”
matá-lo através do espectro. E, como viu, quando o mago negro é também um mago
que controla um dos elementos, seu espectro pode usar as magias.
— Exatamente
tudo o que acontecer no meu espectro, eu sentirei?
—
Não exatamente tudo — respondeu Ian. — Só o que lhe causaria dor.
—
Ainda é magia negra — disse Hazael, encolhendo os ombros e ordenando que seu
espectro fosse embora. — Alguém aí está com fome? Porque eu pretendia ir à
cidade comprar algo para comer.
Os
dois assentiram, e Hazael pegou sua capa e a pequena bolsa onde guardava seu
dinheiro e se preparou para sair. Antes de abrir a porta, virou-se para Ian.
—
Não vai tentar me impedir, Ian? — perguntou, erguendo uma sobrancelha.
—
Não — disse, levantando-se junto com Riana. — Nós vamos junto.
Mestre
e aprendiz ordenaram que seus espectros sumissem e pegaram suas roupas.
—
Podemos passar nas vendas, comprar algo e comer na casa de Selene. Fica mais
fácil para Riana ir para casa e nós podemos esperar ela voltar para contar as
novidades — sugeriu Ian, animado.
—
Pode ser uma boa ideia — admitiu Hazael, sorrindo novamente. — A casa de Selene
é muito mais agradável do que essa, afinal.
—
Pois é — assentiu o amigo, deixando a casa. — Devíamos mesmo seguir o conselho
de Riana — acrescentou. — Devíamos sair desse lugar de uma vez por todas.
—
E ficar morando na casa de Selene? Acha que ela vai aprovar isso?
—
Pode ser que aprove — riu Ian, andando em direção à porta. — Nem mesmo sabemos
se essa casa tem um dono.
—
Talvez seu dono tenha morrido — sugeriu Riana, seguindo os dois homens.
—
É uma possibilidade.
Quando
chegaram às vendas, Riana se ofereceu para cozinhar algo. Ian e Hazael
aceitaram e ela começou a comprar os ingredientes e se distraiu. Hazael puxou o
amigo para longe da garota e disse, em tom confidente:
—
Até quando pretende dizer à Riana que esse é o único modo de praticar magia
negra? — questionou o mago de fogo, mantendo um olho na aprendiz. — Sabe, logo
vamos ter que contar essa outra parte a ela, ou ela vai descobrir por outro
alguém e achar que estávamos escondendo, ou pior: mentindo.
—
Eu vou contar — disse Ian, fazendo sinal para que Hazael fizesse silêncio, pois
Riana se aproximava. — Eu vou contar.
A
garota voltou quando terminou de escolher os ingredientes e sorriu. Os dois
andaram a seu lado e se dirigiram para a casa de Selene. Hazael tinha sempre o
cuidado de não retirar o capuz da cabeça, afinal, já se arriscava demais
pisando em Ima.
Riana
precisou da ajuda de Hazael e Ian para cozinhar na casa da maga de água. Ela
riu quando o mago usou a magia para acender o fogão e às vezes Ian fazia seus
cabelos voarem com um pouco de ar, fazendo-a sorrir. Eles eram boa companhia.
Os dois tinham personalidades bem diferentes, mas, aos poucos, Hazael estava
começando a se abrir também.
Ian
tinha uma naturalidade incrível para conversar com outras pessoas e era
simpático, além de bonito. Já Hazael não era assim tão atraente, e tinha a
expressão fechada como um aviso: cuidado ao se aproximar. Não tinha medo de
falar o que pensava, era ríspido; não ficava calado apenas por conveniência.
Sua personalidade atraiu diversos inimigos enquanto servia no exército do Rei,
por não ter medo de discordar de quem fosse. Não importava se tinha um cargo superior
ou inferior ao seu. Também atraiu muitos admiradores: Selene admirava a coragem
e o jeito de ser de Hazael, provavelmente porque tinha vontade de ser como ele,
mas não conseguia. Ela era sempre afável e fácil de conviver. Era fácil ficar
em silêncio e obedecer ordens. Tinha a expressão amena e um sorriso
convidativo, completamente o oposto perfeito de Hazael, motivo pelo qual seus
elementos também eram opostos.
Riana
estava perdendo o medo da magia negra aos poucos. Não sabia que ela era mais
usada para invocações e sempre a havia visto como algo maléfico. Algo que
traria o mal para todas as pessoas que se envolvessem com ela. Mas não era bem
assim.
A
aprendiz terminou o jantar com um sorriso e Hazael e Ian a ajudaram a arrumar a
mesa.
—
Será que a Selene vai chegar a tempo de jantar? — questionou Riana, querendo
puxar assunto.
—
Pode ser — disse Hazael. — Aquelas pessoas da Corte são todos uns chatos,
cheios dos rituais de apresentação. Não duvido que ela vá se atrasar e chegar
tarde.
Pouco
tempo depois que Hazael terminou de falar, os três magos ouviram um ruído da
porta. Selene andou apressada até a cozinha, assustando um pouco ao
encontrá-los todos ali. A maga de água sorriu e se aproximou, sentando-se à
mesa com eles.
—
Ei, adivinhem — começou ela, sem abandonar o sorriso. — A minha nova aprendiz é
a...
—
Nirina — interrompeu Hazael, com um sorriso. — Riana nos contou que conversou
com a amiga ontem e ela disse que estava indo para a Corte ter aulas com Zahra.
Imaginamos mesmo que fosse ela.
—
Tenho algumas notícias para você, Hazael — acrescentou a anfitriã, séria. —
Mas, antes, quem fez esse jantar? Aposto que Hazael e Ian que não foram.
—
Eu fiz — sorriu Riana, sentindo o rosto esquentar levemente. — Espero que
esteja bom.
Os
quatro começaram a jantar juntos, mas Selene não conseguiu esperar até o fim
para que começasse a contar.
—
Martin ainda está no comando dos magos do exército — disse Selene, tomando um
pouco de água. — E não mudou nada. Me encara com o mesmo desdém de sempre, mas
não ousou falar seu nome — acrescentou. — Não ligo. Fiquei sabendo depois por
Zahra que ele tentou ser o novo mestre de Nirina. Graças a ela, que me indicou,
conseguiram livrá-la disso.
—
Que ótimo — disse o mago de fogo, sorrindo. — Espero que a garota fique longe
desse homem.
—
Eu também. Parece que Martin ainda tem o incomum interesse em magos
clarividentes.
—
Ele tem é inveja — riu Hazael, apoiando no encosto da cadeira e se espreguiçando.
— Queria mais do que tudo fazer parte dos magos mais importantes dos países,
mas não pode. É um pesar que ele terá que carregar a vida toda. Já que ele não
pode ser um deles, quer estar perto dos que são.
—
Temo que não seja só isso — disse Selene. — Eu tenho um estranho sentimento de
que ele está sempre tramando algo.
—
Não deve ser nada, Selene — respondeu, fechando os olhos por um instante. —
Sabe que cão que ladra não morde. Antes eu desconfiaria de Reno, mas não de
Martin.
—
Por que essa desconfiança toda com Reno, Hazael? — indagou Selene, erguendo uma
sobrancelha. — O soldado é um bom homem. Fiel, responsável, simpático.
—
Uma ótima fachada.
Selene
afinou os olhos. Havia conversado o suficiente com Reno para não conseguir
pensar em nada que sugerisse uma possível traição.
—
O seu problema é que você não consegue acreditar que pessoas boas ainda
existem.
—
E existem?
Riana
e Ian ficaram em silêncio.
—
Nirina queria te conhecer.
—
Quem? Ian?
—
Você, Hazael — disse Selene, ainda afinando os olhos. — Arthus contou sua
história a ela, contou que havia te ajudado a fugir. Ela disse que você devia
ser uma boa pessoa e me perguntou se eu sabia como você estava. Disse que
desejava com todas as forças que você estivesse vivo, mas não só isso. Que estivesse
bem.
O
mago de fogo ficou em silêncio. Nirina sabia de sua história? Ela queria
conhecê-lo?
—
Por que ela queria me conhecer?
—
Arthus disse a ela que você havia se recusado a matar um mago inimigo que
estava à beira da morte. Sabemos que isso aconteceu e que parte dos motivos que
te obrigaram a fugir foi Martin, mas ela ficou encantada por esse fato. Não sei
dizer direito o por quê.
Os
quatro ficaram em silêncio por um tempo. Hazael então levantou, do nada, em
direção à sala.
—
Muito obrigado pelo jantar, Riana — sorriu. — Estava ótimo.
Hazael
saiu e Selene o seguiu. Riana ficou com Ian à mesa em silêncio por mais algum
tempo. A aprendiz não sabia o que dizer, e Ian não estava certo se devia tentar
algo. Quando viu Riana olhar para baixo com um olhar triste, levantou e pôs a
mão em seu ombro.
—
Hazael sempre foi assim — sorriu, tentando tranquilizá-la. — Ele passou por
algumas situações desagradáveis em sua vida, por isso tem dificuldade em
superar alguns episódios — manteve o sorriso. — Eu espero que algum dia algo
possa mudar essa visão que ele tem do mundo e das pessoas.
—
Eu também espero — disse Riana.
—
Riana... — disse Ian, depois fechou e apertou os olhos. Não era a melhor hora
para falar sobre aquilo.
—
Pois não, Ian? — ela sorriu, olhando-o.
—
Nada — falou, rápido. — Eu ia dizer algo relacionado à nossa próxima aula, mas
acho que essa não é a melhor hora. Vamos esperar até lá, tudo bem? Não se
preocupe.
—
Ah, se é isso, tudo bem — disse a aprendiz, sentindo que seu coração batia rápido.
Suspirou e levantou, começando a juntar os pratos e levá-los à pia. — Acha que
se eu falar com Hazael ele pode se sentir melhor?
—
Melhor? — riu Ian, fazendo-a erguer uma sobrancelha. — Hazael não está mal. É
preciso mais do que isso para deixá-lo mal. Quem está chateada agora
provavelmente é Selene.
—
Quem é Reno? — perguntou Riana, esquecendo por um instante que Ian não era
originalmente de Sira.
—
Eu não o conheci, mas pelo que fiquei sabendo ele é líder dos soldados do
exército do Rei. Ocupa a mesma posição hierárquica de Martin, o homem com quem
Hazael já teve alguns desentendimentos. Martin é líder dos magos do exército do
Rei. Reno parece não gostar de Martin também, pelo que Hazael me disse. Aquelas
pessoas trabalham juntas faz tempo, e sabe o que acontece quando há um grupo
assim. Intrigas e desentendimentos surgem. É algo comum entre os humanos, deve
saber.
—
Você sabe a história de Hazael e Selene? — perguntou Riana.
—
Sei — disse Ian. — Eles me contaram.
—
E eles, sabem a sua?
Ian
mordeu o lábio inferior por um instante. Os dois pararam em frente à pia
enquanto conversavam. Riana percebeu a apreensão de Ian quanto à pergunta.
—
Lembro que no primeiro dia você disse... “Eu sou muito grato a ele”. O que ele
fez?
—
Hazael salvou minha vida — admitiu Ian. — Existem algumas coisas sobre as quais
eu não gosto de falar — acrescentou, com um sorriso triste —, mas quando nos
encontramos pela primeira vez, eu estava fugindo de magos negros. Eu morava em
Nali. Como ele precisou fugir de Sira, encontramos casualmente.
—
É um jeito peculiar de se conhecer — sorriu Riana, curiosa.
—
Pois é — riu ele. — Hazael me ajudou a escapar de meus perseguidores.
—
Por que eles estavam te perseguindo?
—
Ah, cara Riana — disse o mestre, apoiando a mão sobre o ombro da aprendiz. —
Essa história fica para uma próxima vez. Já está escuro — observou ele, olhando
pelas janelas. Na verdade, uma desculpa para mudar de assunto. — Devo levá-la
até sua casa?
—
Ah, é mesmo! — disse ela, apressando-se em se arrumar para voltar. — Preciso
ir, ou minha mãe ficará preocupada. Não precisa, Ian, não se preocupe — sorriu.
— Minha casa não é tão longe daqui e eu conheço bem o caminho.
—
Tudo bem. Amanhã venha aqui para as aulas. Acho melhor que fazer você andar até
a floresta.
—
Está preocupado?
Ian
sentiu o rosto esquentar. Olhou para o lado e se deu um tapa na cara
mentalmente, dizendo para parar de agir como uma adolescente insegura.
—
Claro que estou preocupado. Você é uma moça nova e bonita, não pode ficar
andando sozinha por essas estradas.
Riana
virou-se imediatamente ao ouvir suas palavras. Ian ergueu uma sobrancelha,
achando que não havia falado nada de mais. A garota, no entanto, estava com o
coração disparado.
—
Sou muito grata por sua preocupação, mestre — ela disse, em tom de brincadeira.
— Voltarei amanhã para as aulas. E vou querer saber o que você disse que
falaria na próxima aula!
—
Eu vou me lembrar disso.
Ian
acompanhou Riana até a porta. Quando passou por ali, Hazael estava jogado no
sofá – aparentemente – dormindo e Selene não estava à vista. Virou-se para Ian,
pediu que mandasse uma boa noite a Selene e a Hazael e deixou a casa. O mago de
ar suspirou ao ver o amigo dormindo e pensou em como a maga de água estaria.
Resolveu, no entanto, que arrumaria a cozinha para a dona da casa antes que
ficasse tarde e pôs-se a trabalhar.
Ha gostei do Reno, espero que o Hazael esteja enganado sobre ele!! :)
ResponderExcluirAdorei o Ian envergonhado, que bonitinho rsrsrs!!