quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Capítulo 3



            Riana foi até seu quarto, vestiu uma calça comprida e calçou uma bota fechada, acrescentando uma blusa de manga comprida para que pudesse sair de casa e andar confortavelmente. Sem querer atrair a atenção das pessoas de sua casa e da cidade, pegou um sobretudo preto com capuz e o enfiou dentro de sua bolsa. Com a desculpa de que visitaria amigos, sua mãe assentiu quando ela saiu, desejando que se cuidasse no caminho e estivesse em casa antes do escurecer.
            Praguejou quando percebeu que garoava, pouco, mas ainda assim era o suficiente para incomodar. Afastou-se da saída da cidade e colocou o casaco, jogando o capuz do tecido preto sobre a cabeça, enrolando o comprido cabelo e deixando-o para dentro das roupas.
            Mordeu o lábio inferior e continuou a andar. Fazia mais ou menos uma hora e meia que Nirina havia deixado sua casa dizendo que pretendia explorar a casa de madeira da floresta. Preocupou-se pensando se a amiga estaria lá e no que aconteceria. Por alguns segundos, arrependeu-se de ter aceitado o pedido do homem que encontrara mais cedo.
            Ele aparentava ser estranhamente confiável. Disse à garota que lhe pediria algumas informações e nada mais e, em troca disso, poderia lhe ensinar magia se desejasse, e que seu nome era Ian. Cheia de uma esperança que duvidava que pudesse dar algum fruto, ela assentiu, dizendo que não daria certeza, no entanto, de que apareceria. Agora, uma curiosidade inexplicável a levava ao lugar que ele havia indicado: à mesma casa de madeira que Nirina havia dito que queria explorar.
            Pensou no apurado “sexto sentido” da amiga, que parecia sempre ter uma voz um tanto quanto forte em sua cabeça que, na maioria das vezes, indicava para a aprendiz o que ela devia fazer ou evitar. Suspirou, pensando em como queria ter nascido uma maga. Talvez assim ela tivesse a mesma habilidade. Devia ser mais uma das coisas de mago.
            Preocupada, pensando em mil coisas, Riana seguiu seu caminho. Perguntava-se a todo instante se não estava sendo ingênua demais: uma garota nova aceitando o convite de um homem mais velho a uma casa isolada na floresta. Olhou para o chão enquanto tomava o caminho contrário às estradas laterais, em frente a seu destino.
            Quando avistou a clareira, parou e observou a casa. Parecia uma casa comum, inabitada, no entanto, e Riana não sentiu nada de obscuro ou estranho como Nirina havia mencionado mais cedo. Apertou os olhos e se perguntou se não estava seguindo sua própria morte. Seu coração disparou quando ela deu um passo à frente, motivada por uma força quase externa a seu corpo. Ansiosa, permitiu-se um sorriso fraco. Sempre havia mesmo lamentado a vida comum que levava enquanto sabia que magos e aprendizes poderiam aprender coisas bem mais interessantes.
            Assim que pôs os pés na escada da varanda, a madeira rangeu e seu coração disparou mais uma vez. Olhou em volta como se tivesse medo de que alguém a pudesse estar observando, mas não avistou ninguém. Sentia mais presenças a sua volta, como se várias pessoas estivessem ali de uma só vez, mas não via ninguém. Seria a presença de magia no ar? Mordeu o lábio inferior e decidiu que voltaria. Deu as costas à casa, mas, quando ia dar um passo, ouviu o barulho de uma porta se abrindo.
            — Com licença — disse a voz de um homem, que ela reconheceu. — A casa pode estar toda fechada, mas seus anfitriões a esperam — ele acrescentou, e ela percebeu, pela voz, que ele sorria. — Sei que está assustada, Riana, mas não se desespere. Não queremos nada de você se não estiver disposta a contribuir.
            Riana se virou com cuidado e observou o homem que havia encontrado na cidade mais cedo. De fato ele era bonito e simpático, e exibia um sorriso sincero. Seus anfitriões? Nós? Quem mais poderia estar com ele? Não havia mencionado isso antes. A garota não disse nada em resposta e moveu-se em direção a Ian. Observou seu cabelo escuro e curto e seus olhos igualmente castanhos, espertos. Ele lembrava um pouco Nirina. Era provável que fosse nascido em Sira.
            O anfitrião deu espaço para que a garota entrasse e, além dele, havia mais uma pessoa ali, que a recebeu com um aceno de cabeça extremamente formal, e nenhum sorriso. Ian fechou a porta atrás de sua convidada e a indicou um assento.


            Arthus esperava ainda com seu livro que Nirina tomasse um banho e vestisse roupas secas. A aprendiz havia dito que tinha muito o que contar, e o mago se pegou um pouco ansioso pelas notícias, afinal, seus dias também eram entediantes às vezes.
            Assim que Nirina chegou, Arthus se retesou no sofá e largou o livro de lado, olhando carinhosamente para a jovem maga, que mantinha no rosto um olhar decepcionado e preocupado ao mesmo tempo. Ele quis perguntar o que tinha acontecido, mas esperou até que a garota começasse a falar espontaneamente.
            — Primeiro de tudo — disse ela, sentando-se ao lado de Arthus, estranhamente reflexiva —, eu não consegui ver Zahra. Cheguei a ver os cavaleiros e os guardas, mas a carruagem onde ela provavelmente viajava estava toda fechada. Nem sinal de que era realmente ela.
            Arthus sorriu com pesar. Porém, julgando pelo “primeiro de tudo”, imaginou que fosse somente uma das coisas que ela havia para contar, e talvez a menos importante.
            — Tem outra coisa, Arthus, e quero ser completamente sincera com o senhor em relação a isso.
            — Pois não, Nirina? — ele disse, apoiando uma das mãos sobre seus ombros. — Você parece preocupada.
            — Não estou realmente preocupada, mestre, estou mais pensativa. Várias coisas vêm me acontecendo esses últimos dias e, desde que comecei a aprender magia, sinto que a minha mente tem mudado.
            Arthus ergueu uma sobrancelha, encostando-se no sofá.
            — Conte. Não vou interromper.
            — Antes de falar sobre minha mente — ela pausou, olhando para baixo como se procurasse os detalhes do que havia acontecido na cidade —, eu acho que encontrei um mago de ar observando a carruagem.
            O mago apertou os lábios, reprimindo a vontade de perguntar a ela como constatara tal afirmação. Esperou que a aprendiz tomasse seu tempo.
            — Aconteceu da seguinte forma. Eu e Riana estávamos em uma das mesas dos bares da avenida principal, onde era provável que Zahra passasse. Conversávamos, quando percebi que sua atenção estava focada em um ponto além de mim. Pensei que fosse Zahra e olhei para onde seu olhar parecia estar focado, mas não vi nada, então a questionei. Ela disse que tinha visto um homem bonito e nada mais.
            Nirina esperou e, quando seu mestre assentiu com a cabeça, ela continuou.
            — Por isso, não dei muita importância, mas depois que a carruagem passou, vi Riana olhando novamente do mesmo jeito para um ponto fixo, e ela disse ser o mesmo homem. Quando foquei minha atenção nele, senti uma energia diferente e estranha emanando dele. Era meio sufocante — Arthus se arrumou no sofá, registrando cada informação —, como se reprimisse minha alma. Pensei em ir atrás dele. Minha consciência me disse, no entanto, para não fazê-lo. Sou acostumada a essa voz e eu geralmente obedeço, mas dessa vez eu fiz o contrário e fui atrás dele.
            A expressão de Arthus mudou para levemente preocupada, mas Nirina o tranquilizou com um sorriso.
            — Nada de mais aconteceu, no entanto. Ele não pareceu ter percebido a perseguição, mas assim que ele virou uma esquina que dava para uma rua sem saída, ele desapareceu. Imaginei então que ele tivesse se escondido quando minha consciência me alertou e me orientou a olhar para cima. Quando o fiz, não consegui ver nada. Por isso, resolvi voltar para junto de Riana.
            — Assim que a vi, o mesmo homem estava junto dela. Foi quando tive mais evidências de que ele era um mago de ar. — Arthus sustentava uma expressão pensativa. — Eles conversavam normalmente e, quando Riana me viu, apontou em minha direção, fazendo o estranho me olhar. Não tive tempo de me aproximar, pois ele começou a levitar e a subir, rápido, em direção ao telhado do bar onde estávamos. Lembrei que você havia dito que os magos de ar são os que geralmente aprendem mais rápido a flutuar pela abundância do elemento que controlam, então imaginei que fosse um deles. E ele desapareceu sobre os telhados.
            A aprendiz parou de falar e seu mestre ficou em silêncio. Pensou então em algo para dizer.
            — Riana me contou depois que o mago de ar havia perguntado meu nome a ela.
            — O que mais vem à minha mente é: por que um mago faria tal demonstração em meio à cidade? Não são poucos os magos que gostam de se gabar de suas habilidades, mas nunca imaginei que um mago de ar sairia voando por aí em pleno dia. Depois, porque ele perguntou seu nome é difícil sabermos. Pode ter sido pelo simples fato de tê-la notado o perseguindo — acrescentou. — Tem coisas que eu gostaria de perguntar. Antes, tem mais algo que queira me dizer?
            — As vozes em minha cabeça. Desde cedo tenho ouvido a elas, e acredito que todas as pessoas, até as que não são magas, têm um sexto sentido que as alertam em situações de risco. Gosto de acreditar nisso — ela sorriu. — Mas elas têm ficado mais frequentes, cada vez mais. Não entendo. E é sobre tudo, não só em situações de risco. Às vezes olho para uma pessoa na rua e penso “Ela vai deixar sua sacola cair e, em seguida, vai abaixar para recolhê-la”. Segundos depois, realmente acontece.
            Nirina ficou silenciosa ao perceber que seu mestre olhava para o nada, completamente perdido em seus pensamentos. Precisava contatar o Rei ou algum outro mago.
            — Arthus? O que foi? — ela perguntou, tocando suavemente sua mão com a ponta dos dedos.
            — Essa energia que você sentiu emanando dele não é um bom sinal, Nirina, mas também não são todos os magos que conseguem senti-la.
            Ela o encarou, consternada.
            — Acho que você precisa de um novo mestre, Nirina.
            — Eu? Por quê? Estou bem com seus ensinamentos, Arthus!
            — Não se trata disso — disse ele, em tom afável. — Você pode estar desenvolvendo habilidades de uma maga clarividente.
            Nirina sentiu sua pele arrepiar e seu olhar perder o foco por um instante. Sem saber como reagir, olhou para Arthus e em seguida encostou-se ao sofá, olhando para o teto e deixando que seus pensamentos se perdessem.


            Riana se acomodou no assento indicado por Ian e tentou se sentir confortável. O olhar do outro homem às vezes pousava em si e ela se sentia um tanto intimidada. Quase pediu para Ian que o apresentasse.
            — Então — começou Ian, andando pela sala e abrindo os braços — você quer aprender magia sem ter sangue de mago. É isso mesmo?
            — Isso mesmo — assentiu Riana, com um leve e trêmulo sorriso. O outro mago a olhava enquanto ela falava, ainda sem demonstrar o mínimo de simpatia. — Eu tenho como aprender? Você mesmo vai me ensinar?
            — Se eu mesmo vou ensinar? — Ian riu da descrença da garota. — É claro que eu mesmo vou ensinar. E é claro que tem como aprender. Senão não teria te pedido para vir até aqui.
            Ian tinha uma simpatia radiante, que atraiu a atenção de Riana assim que seus olhos pousaram sobre ele. Já o outro mago não era assim tão bom anfitrião, mantendo-se em silêncio em seu assento, observador. A garota ficou quieta por alguns segundos então tomou coragem para perguntar sobre o colega do mago de ar.
            — Seu colega é um mago também?
            — Não fale de mim como se eu não estivesse aqui — resmungou o outro mago, sem se mover. — Se quer saber algo sobre mim, pergunte. Estou aqui.
            Riana se moveu nervosamente diante de seu olhar intimidante.
            — Você — esforçou-se para não tratá-lo por “senhor” — é um mago também?
            — Sim — respondeu, seco. Não era do tipo que aproveitava qualquer oportunidade para puxar assunto.
            — De verdade? De ar também?
            O homem suspirou diante da pergunta.
            — Não. Meu elemento é o fogo.
            Riana olhou com óbvia desconfiança no olhar, o que fez o mago de fogo suspirar mais uma vez.
            — Quer uma demonstração? — ele estendeu uma das mãos, abrindo-a, rápido, e em um instante fez surgir uma chama flutuante diante dos olhos da garota. — Isso deve ser o suficiente — chacoalhando a mão em um movimento suave, dissipou a chama. — Não sou um mágico, garota. Sou um mago.
            — Ela desconfiou de mim também — disse Ian, sorridente.
            — Fiquei sabendo que a sua demonstração foi mais atrativa, no entanto, Ian.
            O comentário apenas arrancou uma risada do mago de ar e ele voltou o olhar para Riana, que estava em silêncio.
            — O que quero lhe pedir é simples e eu vou tentar lhe explicar de forma igualmente simples: como mago, eu consigo sentir a presença de outros magos — disse, obviamente ocultando algumas informações. Talvez para simplificar, talvez por conveniência. — Eu senti a presença da sua amiga hoje cedo, a... — Pausou, tentando se lembrar do nome que havia obtido mais cedo.
            — Nirina — Riana ajudou.
            — Exatamente, a Nirina. Senti a presença mágica dela, assim como ela pareceu ter sentido a minha, mas não a sua. Imaginei que talvez você estivesse interessada em aprender magia, já que tem uma amiga com o dom natural, e você não o tem.
            Riana se encolheu um pouco no assento, assentindo com a cabeça.
            — Eu sempre quis, mas soube por Nirina que é preciso ser filho de magos para controlar um dos elementos — ela acrescentou. — Como conseguirei, se meus pais não são magos?
            — Ora, ora, minha cara Riana — disse Ian, em tom misterioso. — É preciso ser filho de magos para manipular um dos elementos, mas não é preciso ser filho de magos para aprender magia.
            A mais nova aprendiz se retesou em sua cadeira, incrédula e cheia de dúvidas.
            — Explique-se logo, Ian — interrompeu o homem misterioso. — E não iluda a garota. Diga tudo o que tem que ser dito.
            Ian encolheu os ombros e sorriu sem jeito.
            — Certo. Veja bem, Riana. Sua amiga, Nirina, é digna de atenção. Seu poder mágico é grande e crescente, e nós estamos... — pausou, encontrando a melhor palavra, então prosseguiu — monitorando esse tipo de magos. Você vai ajudar eu e meu amigo aqui — disse, estendendo a mão para o mago de fogo — e nós vamos lhe ajudar, ensinando-lhe magia invocativa.
            — Magia negra — disse o outro mago, sem rodeios.
            — Hazael! — ele disse em tom áspero, então Riana soube seu nome. — As pessoas têm medo do nome magia negra. Eu prefiro chamar de magia invocativa.
            — Encare como é — respondeu Hazael, igualmente sério. — A magia negra, garota, é a única que pode ser ensinada a pessoas que não tem sangue de mago. E ela realmente consiste em invocar criaturas a seu serviço.
            Riana sentiu a pele arrepiar. Então estava se envolvendo com magos negros?
            — Mas a magia negra é má, não é? — disse Riana, falando pela primeira vez em muito tempo.
            — Viu, Hazael? — Ian balançou a cabeça negativamente, desaprovando a atitude do amigo. — As pessoas têm medo desse nome.
            — Ela não é, de todo, má — respondeu Hazael, ignorando Ian. — Os custos para usá-la é que são um pouco altos.
            — Quais são eles? — ela se arrumou novamente no assento, sentindo-se muito curiosa. Agora que conversava com eles, os dois homens pareciam confiáveis e não queriam esconder nada dela, desde que ela os ajudasse com seus objetivos.
            — Pergunte a seu professor — disse o mago de fogo, espreguiçando-se. Sua voz sempre tinha um tom displicente.
            — Então, Ian?
            — Vou lhe explicar tudo, cara Riana. Agora, diga-nos: está disposta a contribuir com as informações que lhe pedirmos? Devo dizer, de antemão, que muitas das perguntas envolverão Nirina. O que vem a calhar, pois vocês duas são amigas.
            Riana olhou pelo cômodo da casa por um tempo enquanto analisava todas as alternativas. Pensou em Nirina e se ela consideraria isso como uma traição. Era o que pareceria. Mas ela não precisa saber, pensou. Encarou Ian, então assentiu.
            — Certo, Ian — disse, assentindo — e Hazael.
            A menção ao nome fez o mago de fogo sorrir, sem olhar para a garota.
            — Pensando bem, antes de começar as aulas, tem uma coisa que eu acho que já deveria dizer a vocês.
            Hazael riu alto, assustando Riana.
            —Veja, Ian! Parece realmente que todo o seu charme irresistível para atrair garotas finalmente serviu para algo! Você deve ter escolhido bem. Não é mesmo, Riana?
            A garota se encolheu, sem saber se encarava aquilo como um elogio ou uma provocação, já que ele deixava claro que ela havia sido atraída, inicialmente, pela boa aparência de Ian. Mas o que a fez se arrepiar mesmo foi quando Hazael a chamou pelo nome. Sem saber como reagir, manteve-se em silêncio.
            — Pois não? — disse Ian, dessa vez ignorando Hazael, mas não sem um sorriso discreto.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Resenha: O Guardião

O último livro que li foi O Guardião, por Daniel Polansky, e acho que ele merece uma resenha.
O livro foi publicado pela Geração Editorial e é o romance de estreia do autor, que é o primeiro livro da Trilogia da Cidade das Sombras.

Logo de cara me apaixonei pela personagem principal, que durante o livro inteiro é chamado de Guardião (seu nome não é mencionado nem uma vez sequer durante a história), e tem uma personalidade muito cativante.
Não dá pra dizer que ele é o tipo querido nem de longe: ele é do tipo inteligente, sarcástico, e que acha a vida uma droga e algo muito simples. Ele não tá nem aí pra muitas coisas que a maioria das pessoas dá importância, como ser alguém na vida.

No resumo, os críticos disseram que em O Guardião Tolkien se encontrou com Tarantino. Concordo com alguns leitores que disseram que não chega perto nem de um, nem de outro. A fantasia criada por Daniel é simples se comparada com a de Tolkien. Certo é que o livro é interessante e cativante, mas eu já li obras que são bem melhores.

Um dos pontos negativos de O Guardião é que as coisas acontecem muito rápido e aparentemente sem motivo: algo que parece característica de um autor iniciante mesmo. Outra coisa é que como é narrado em primeira pessoa, pelo Guardião, você não se apega muito a outros personagens, e como o Guardião pouco se importa com as outras pessoas, a visão sobre eles é um tanto limitada.
A personalidade do Guardião, no entanto, é o que deixa o livro mais divertido pra mim.
Suas respostas frias, muitas vezes sarcásticas e seu humor negro e falho é a melhor coisa do livro. É muito divertido, e prende de verdade. Tenho certeza que só terminei de ler esse livro por causa da personagem principal.

Tem outro ponto negativo, que me deixou curiosa: existem várias raças no livro, como os humanos e os kirens. Várias nações também, mas Daniel fala realmente pouco sobre eles. Você nem mesmo tem uma visão de como é o continente da história, o posicionamento das regiões e tudo mais. As formas de magia, que o autor chama de Arte, também são pouco exploradas. O passado do Guardião também não é bem explicado, e eu acho que tudo isso daria um toque bem legal no enredo.

Agora, se tem algo que também me fez achar que o livro valeu a pena, foi o final. Eu sinceramente não imaginava que o desfecho seria aquele, de fato hora nenhuma passou pela minha cabeça. Ser surpreendida é algo que eu gosto muito nos livros, que me faz sentir um encanto por eles e pelo autor.

Em resumo, O Guardião é um livro de "fantasia para adultos", de fato, como está escrito na contra-capa. Não indicaria ele para menores de 18 anos, pois apesar de não ser tão pesado assim, tem palavras bem vulgares e bastante violência. Admito que não é o melhor livro que já li, mas não foi, nem de longe, perda de tempo.

Capítulo 2


Nirina levantou assustada pela manhã, como se despertada por uma força exterior que a fizesse acordar. Pulou rápido da cama e se espreguiçou. Apesar de ter dormido tarde, não conseguia sentir sono. Esperava que Riana acordasse cedo também, assim as duas poderiam se encontrar e partir rápido para o centro de Ima onde, com certeza, a procissão de Zahra passaria.
Vestiu uma calça preta e uma de suas túnicas preferidas. Não era comprida – ia até a metade de suas coxas e era amarrada por um laço à cintura. A túnica e o laço eram da mesma cor: anil. Azul sempre fora sua cor preferida e ela achava que isso tinha a ver com a água. Nirina era fascinada pela magia e qualquer coisa que tivesse a ver com magos. Sentia-se feliz por ter nascido uma deles e estava ansiosa por ser tão experiente e habilidosa quanto seu mestre, que era sua principal referência.
Assim que saiu de seu quarto, Arthus já estava em pé na cozinha e a mesa do café da manhã estava posta. Nirina sorriu e cumprimentou-o com uma reverência singela, cheia de respeito. Arthus reverenciou-se a ela também, e ela sorriu. A aprendiz sempre sorria quando o mago a tratava do mesmo jeito.
— Bom dia, Arthus! — ela disse, com uma empolgação impossível de não perceber.
— Bom dia, Nirina — ele respondeu enquanto ela se sentava. Pegou uma xícara de chá e a serviu, deixando à frente da aprendiz. — Empolgada, não?
— Muito — ela respondeu, pegando a xícara e tomando um pouco de seu conteúdo. Parou um pouco e olhou fixamente para o líquido. Como uma maga da água, ela conseguia manipular qualquer coisa que fosse feita com água em estado líquido.
— Nada de brincar de magia com o chá — disse Arthus, ao perceber que ela olhava para o líquido com um sorriso travesso. — Vamos. Tome seu café da manhã e prepare-se para ir à casa de Riana, ela estará esperando por você.
— Como assim? — indagou Nirina — Ela sabe?
— Contei a ela que você gostaria de ter sua companhia há uns dias.
— Há quanto tempo você sabe da chegada de Zahra?
— Há uns dias — foi a resposta evasiva que recebeu.
— Certo...
Nirina assentiu enquanto tomava mais do chá e pegava uma fatia de pão. Arthus gostava de cozinhar, e geralmente era ele quem preparava os pães. A aprendiz se perguntava onde ele teria aprendido tantas habilidades.
— Tem certeza de que não quer ir?
— Não poderei — respondeu. — Eu vou preparar suas próximas lições.
Nirina assentiu e terminou o pedaço de pão que pegara, e tomando o último gole de chá.
— Vou reunir minhas últimas coisas e estou indo, mestre.
— Devo lhe pedir para usar as estradas laterais?
— Não, senhor — ela balançou a cabeça negativamente, olhando-o com atenção. Arrumou a ponta da túnica distraída enquanto esperava para ver se ele tinha mais alguma coisa para falar.
— Lembre-se de comer, e tome cuidado, especialmente com a sua magia. Sei que posso confiar em você.
— Deixe comigo, senhor!
Com um aceno energético, Nirina se pôs a correr até seu quarto para juntar algumas coisas. Pegou uma bolsa atada a um cinto, que amarrou à cintura e deixou à lateral do corpo por baixo da túnica, imperceptível. Quis levar pouca coisa para que não cansasse de carregar, portanto, basicamente colocou dentro dela a chave da casa onde morava e seu dinheiro e a fechou, apressada. A imagem que tinha de Zahra passou por sua cabeça novamente e ela sorriu, andando até a porta. Arthus olhou para a aprendiz e se despediu dela com um aceno de cabeça. Reverenciando-se em resposta, atravessou a porta e tomou as estradas laterais, como seu mestre havia pedido.
A viagem pelas estradas laterais era comum e entediante. Não havia nada de diferente no caminho exceto a floresta que a rodeava, mas, ainda assim, a floresta passava longe da estrada. Uma cerca de arame de mais ou menos um metro e sessenta a impedia de adentrar a mata, e ela sentia mais emoção viajando pelas estradas que passavam pelo meio das árvores. Mas Arthus não gostava disso, ela sabia e, portanto, não quis desobedecê-lo em um dia tão importante.
Quando chegou à metade do caminho pela estrada lateral, lembrou-se da pequena casa de madeira na clareira que sempre avistava quando pegava uma das estradas que conhecia. Imaginou se algum dia teria a oportunidade de entrar para explorar ou se algum dia chegaria a saber para que ela foi construída.
Distraída e perdida em seus pensamentos, chegou à cidade sem muita demora. Assim que passou pelo portal de entrada, esperou que a população de Ima estivesse agitada e esperando por um grande evento, mas não encontrou nada disso. O ritmo da cidade parecia normal e, apesar de estar perto das sete horas da manhã, os comerciantes e trabalhadores agiam normalmente. Nirina ergueu uma sobrancelha e se perguntou se eles sabiam que Zahra estava para chegar.
Talvez eles não deem tanta importância para magia ou magos tanto quanto eu, pensou consigo. É uma possibilidade.
Passando pelas ruas principais, tomou o caminho da casa de Riana. Assim que se aproximou, encontrou a mãe da amiga, que a recebeu de forma simpática e disse que sua filha a esperava. Despediu-se da mãe com um aceno da cabeça e entrou na casa, correndo até o quarto de Riana.
Encontrou-a se arrumando. Riana era uma menina bonita, mais alta que Nirina por ser alguns anos mais velha, mas não só isso. Ela crescia rápido e já tinha corpo de mulher, diferente de Nirina, que ainda tinha uma aparência de menina. Riana tinha o cabelo liso e comprido até a cintura, loiro, e a pele clara caracterizando uma menina nascida no país de Earine. A moradora da casa sorriu ao encontrar a jovem maga e a abraçou rapidamente, não menos animada.
— Então — começou Riana — Arthus me disse que você gostaria da minha companhia para ver a maga clarividente voltar à cidade. Acha que vai conseguir vê-la?
— Não sei — admitiu Nirina. — Embora ela não esteja chegando em segredo, não acho que ela vai estar em cima de um palanque ambulante acenando para toda a cidade.
Riana riu diante da observação de Nirina, achando graça ao tentar imaginar a cena.
— Também não acho que vá acontecer. Ouvi poucas pessoas falando sobre isso na cidade — ela acrescentou.— É como se eles não achassem importante, ou sentissem algum tipo de medo. A maioria das pessoas acha que trouxeram a clarividente de volta porque o reino corre perigo. Acha que é isso?
— Não acho — respondeu. — Talvez o Rei esteja querendo novas conquistas e queira a ajuda dela. Não sei bem o que uma maga clarividente faz a serviço do reino, mas pode ser isso. Se houvesse ameaça, acho que saberíamos. Sabe que as notícias correm, não importa onde comecem.
— Bem, isso é verdade. — Riana passou a mão pelo cabelo, arrumando-o. Ela usava um vestido verde longo, que descia até os tornozelos. Tinha as mangas compridas por causa do frio da manhã. A peça era justa até a cintura e então descia solta, dando um charme especial à beleza da moça. — Sabe a que horas ela passará pelo centro?
— Arthus me disse que seria pela manhã, então não deve demorar — ela disse, observando a amiga assentir com a cabeça.
— Devemos ir então? — perguntou, passando as mãos pelo vestido mais uma vez.
— Acho melhor. Duvido que terei outra oportunidade de chegar tão perto de Zahra.
— Você é mesmo fascinada por essa maga, não é? — Riana acrescentou, com um sorriso comovido.
— Sou. Queria ser como ela — disse. — Imagino tanto das histórias de Arthus...
— Continue praticando. Quem sabe um dia!
Riana riu inocentemente enquanto saía do quarto e era seguida por Nirina, que andava atrás da amiga aos pulos. Passaram novamente pela mãe da garota na saída, que acenou para as duas e desejou que tomassem cuidado. Ambas assentiram e seguiram em direção ao centro da cidade, esperando que o clima continuasse agradável. O sol brilhava forte, mas o céu tinha algumas nuvens. O vento era frio e ambas agradeceram por estar usando roupas adequadas. Nirina falava sem parar, especialmente sobre magia, enquanto Riana apenas ouvia e assentia a tudo em silêncio.
Assim que chegaram ao centro, não encontraram nenhuma movimentação diferente do normal. Decidiram, à sugestão de Riana, tomar uma bebida em um estabelecimento da avenida principal, onde Nirina estava quase certa de que Zahra passaria. Fizeram o pedido no balcão e foram se sentar às mesas de fora para que pudessem ter uma melhor visão do que estava prestes a acontecer.
As duas conversavam animada e distraidamente até que Riana, de repente, manteve o olhar fixo em um ponto atrás de Nirina. A jovem maga olhou para a amiga com um olhar questionador e tocou sua mão com a ponta dos dedos.
— Riana? — perguntou, olhando para trás em seguida, para onde os olhos de Riana pareciam estar fixos. Pensou que poderia ser a clarividente e sua escolta, mas quando virou, não viu nada de diferente. Em seguida, olhou para a amiga novamente. — O que foi que você viu?
— Nada — balançou negativamente a cabeça, sentindo o rosto corar.
Nirina sorriu.
— Riana, diga, por favor!
— Ah, Nirina! — protestou a amiga, abaixando o olhar. — Eu só vi um homem bonito, certo? Quando você olhou para trás ele já tinha virado a esquina.
— Sério? — disse Nirina, sorrindo e olhando animada para Riana. — É sorte sua eu não ter visto o homem.
— Por quê?
— Porque se eu tivesse visto quem era, teria ido até lá e te apresentado a ele.
Riana deu um tapa na mão de Nirina, claramente em protesto.
— Você não teria coragem de fazer isso!
— Quer apostar?
Riana manteve-se em silêncio, como se estivesse em dúvida por alguns segundos. Depois ergueu o olhar à aprendiz e sorriu sem jeito.
— Não. Sei que você é sem noção pra essas coisas. Às vezes me pergunto se você não é meio maluca.
— Riana!
A loura começou a rir da expressão de indignação da morena, mas foi por pouco tempo. Logo ela se retesou na cadeira e apontou para trás de Nirina, fazendo-a se virar.
— Olhe! Vários soldados e carruagens... Deve ser Zahra.
— Vamos mais perto da rua.
Assentindo com a cabeça, Riana seguiu a jovem maga até a rua e as duas esperaram, ansiosas, até que os soldados se aproximassem mais.
As garotas ficaram paradas esperando que a caravana passasse e, conforme os soldados montados em cavalos iam passando, as pessoas na rua iam abrindo espaço. Ao longe Nirina pode ver uma carruagem e esperou ansiosamente até que o veículo se aproximasse.
Quando isso aconteceu, no entanto, ela se encheu de uma grande decepção. As duas janelas do veículo estavam fechadas e a jovem maga nem mesmo pode ter certeza se era realmente Zahra quem estava ali dentro. Ela acompanhou a carruagem com crescente tristeza enquanto o veículo ia embora e mais soldados montados seguiam a procissão. Nirina tocou o braço de Riana quase inconscientemente e abaixou o olhar.
— Tudo bem, achei que pelo menos fosse conseguir ver ela... Ou ter certeza de que ela passou diante de mim.
Diante do silêncio da amiga, a aprendiz ergueu o olhar a ela.
— Riana? O quê você...
Quando Nirina olhou para Riana, ela estava olhando através dos soldados montados, para o outro lado da rua. Logo a maga constatou que ela devia estar encarando alguma pessoa.
— É ele. O homem de antes.
Assim que Riana indicou quem era, Nirina olhou para o desconhecido. Ele estava com o olhar fixo na carruagem que acabara de passar, enquanto as pessoas a sua volta já tinham se distraído e se ocupavam com outras coisas. A maga manteve os olhos no estranho, mas, quando seus olhares se encontraram, ele virou o rosto rápido e saiu andando. Nirina sentiu o coração acelerar. “Não vá atrás dele”, disse-lhe sua consciência. Mas, diferente da maioria das vezes, ela ignorou o conselho da voz e virou-se para Riana.
— Espere aqui, eu já volto.
— Nirina, não! Nem pense em...
— Calma, não farei nada do que está pensando — disse, acenando em despedida.
Riana decidiu se sentar às mesas do estabelecimento mais próximo enquanto esperava sua amiga voltar. Suspirou enquanto passava as mãos pelo cabelo, perguntando-se o que ela tinha ido fazer. Espero que não seja nenhuma besteira.
Nirina não precisou dar a volta nos cavaleiros, visto que eles não eram assim tão numerosos e a carruagem já seguia longe. A aprendiz atravessou a rua sem correr, mantendo os olhos fixos no estranho que perseguia e torceu para que ele não se virasse. Seguindo as expectativas da maga, ele não se virou. O máximo que fez foi virar o rosto para olhar para as lojas laterais, e continuou seguindo seu caminho como se nada de incomum o esperasse.
O homem estava um pouco à frente de Nirina quando virou uma esquina. Assim que a aprendiz alcançou a mesma curva, assustou-se ao perceber que o estranho havia desaparecido. Ela franziu a testa quando observou que era uma rua sem saída, terminando em um beco.
Não teria dado tempo de ele ter corrido essa rua toda até pular o muro pensou. Ele deve ter se escondido, meditou. Quando começou a olhar para os lados, algo dentro de si a alertou: Em cima de você. Erguendo o olhar, no entanto, ela não foi capaz de ver nada nem ninguém nos telhados das lojas ao lado.
Nirina olhou para o chão. Um mago de ar? Era a única coisa em que conseguia pensar. Os magos de ar eram os que mais facilmente conseguiam levitar, afinal, o ar é um dos elementos mais abundantes de que um mago poderia dispor. Apesar de uma técnica muito difícil que exigia grande controle, magos experientes conseguiam. “Quem é esse homem?” era o que Nirina perguntava a si mesma a cada momento. Ela nunca tinha estabelecido grande contato com outros magos.
Existiu um tempo em que havia uma Escola para Magos em Verena, país ao sudeste de Sira, mas há tempos a escola havia sido desativada por ter poucos alunos. Os magos restantes aprendiam com seus mestres em lugares separados, geralmente sem despertar muito o interesse das pessoas ao redor e da Corte, como Nirina tinha suas aulas com Arthus.
Ela nunca havia visto outro mago e, pelo jeito, aquele era um dos experientes. Ela não o tinha visto flutuar, mas era o mais provável que tivesse acontecido. Afinou os olhos e desejou pelo menos saber seu nome. Apertou as mãos, decepcionada, e decidiu voltar para junto de Riana.
Andou devagar até encontrar a amiga perto das mesas onde haviam tomado a bebida mais cedo. Observou, no entanto, que ela não estava sozinha: ele estava com ela. O estranho. Nirina entrou em estado de alerta, mas os dois pareciam conversar cordialmente. Quando Riana viu Nirina, apontou em sua direção e o homem a olhou. Sério, sem manifestar emoção alguma, ergueu as mãos e, sem parecer ter a menor dificuldade, levantou-se do chão. Riana se assustou e se afastou, bem como a maioria das pessoas em volta – algumas não deram a mínima para o pequeno espetáculo – e a aprendiz arregalou os olhos.
Ainda em estado de alerta, continuou olhando para cima enquanto o mago se elevava com velocidade e desaparecia sobre os telhados. A jovem aprendiz se virou para a amiga, que ainda estava um pouco assustada com a saída repentina do mago de ar.
— Sobre o que vocês falavam, Riana?
— Achei estranho — ela respondeu, olhando para cima. — Ele perguntou sobre você.
— Sobre mim? — Nirina olhou para cima por um instante, depois voltou o olhar à amiga. — Então ele percebeu que eu o estava seguindo? Mas ele não deu sinais de ter percebido!
— Ele não te olhou nenhuma vez?
—Não — pausou. — O que ele perguntou sobre mim?
— Seu nome — disse Riana, olhando para baixo apreensiva.
— Você respondeu?
— Sim... Desculpe, eu não imaginei que isso pudesse lhe causar problemas.
— Não estou dizendo que vai. Ele perguntou mais alguma coisa?
Riana olhou para cima novamente e depois para o chão antes de encarar Nirina.
— Não, nada. Agora — acrescentou, como se quisesse mudar de assunto — deixe-me perguntar: por que foi atrás dele?
— Algo... Algo me disse pra não ir, na verdade. Mas senti uma energia estranha emanando dele, então decidi persegui-lo.
— Algo? O quê? — Riana franziu a testa, sabendo que isso era mais uma das coisas de mago. — E que energia estranha?
— Algo como minha voz interior — respondeu, apertando as mãos. Por um instante, havia esquecido completamente de Zahra e a decepção por não ter conseguido encontrar a maga clarividente. — Me disse pra não ir, e eu geralmente obedeço essa voz. Dessa vez, decidi ignorar. Quanto à energia, não sei. Eu devia perguntar a Arthus.
— Não acho que isso seja um bom sinal.
— Talvez, Riana.
A garota de Earine olhou em volta, então tocou o ombro da amiga levemente.
— Vamos? Deveríamos almoçar na minha casa e então você deveria voltar à casa de seu mestre.
— Acho uma boa ideia.
No caminho de volta, Riana percebeu que Nirina estava estranhamente quieta, algo incomum para a personalidade da garota que era sempre falante, praticamente o tempo todo. Decidiu que seria melhor se não dissesse nada, afinal, sabia que a aprendiz estava pensando no outro mago que havia encontrado na cidade.
Qual era o objetivo dele observando Zahra era o que mais passava pela cabeça de Nirina. E como ele havia percebido que estava sendo perseguido tão fácil... A jovem maga mordeu o lábio inferior e pensou que deveria tomar mais cuidado quando quisesse espionar alguma coisa ou alguém, mas aprenderia. Caminhou o tempo inteiro em silêncio enquanto pensava no que havia acontecido e nas perguntas que faria a Arthus quando chegasse em casa.
Nirina almoçou em silêncio, falando o mínimo possível, absorta em seus pensamentos. Riana às vezes olhava-a com preocupação, mas sabia que a amiga estava pensando no que havia acontecido. Lembrou-se que ela podia estar, além de tudo, decepcionada por não ter encontrado Zahra.
— O que pretende fazer essa tarde, Riana? — perguntou Nirina enquanto era acompanhada até a porta pela anfitriã da casa.
— Eu tenho um compromisso — respondeu e, após hesitar um pouco, sorriu. — Por que pergunta?
— Iria te chamar pra ir à floresta comigo hoje à tarde. Tem algo que eu gostaria de ver.
— À floresta? — repetiu Riana, rindo com um desinteresse ensaiado. — O que teria de mais para ver na floresta?
— Uma casa de madeira esquecida em uma clareira — disse. — Sempre quis entrar, e achei que você pudesse compartilhar da mesma curiosidade que eu quando a visse. É suspeita. Tem uma aura diferente.
Riana riu.
— Você precisa encontrar outro amigo mago rápido, Nirina. Sinto muito, mas provavelmente eu não estaria tão curiosa e muito menos sentiria essa aura estranha. É melhor você ficar longe de lá. Além disso — acrescentou — Arthus não te proibiu de usar as estradas da floresta?
— É — Nirina olhou para o chão por um instante, depois riu como se desculpasse. — Não vai dizer a ele que eu vou à casa de madeira entre a floresta hoje, vai?
— Claro que não. Não faria isso com uma amiga — respondeu, em tom afável. — Mas se seu mestre lhe diz, você devia ouvir. Fique longe da clareira e das florestas.
— Até você, Riana? — bufou. — Você também me dando ordens.
Riana sorriu e juntou as sobrancelhas expressando preocupação. Uniu as mãos em frente ao corpo e se desculpou com uma inclinação da cabeça.
— Viaje com cuidado. Vá pelas estradas laterais.
— Até mais, Riana — foi a única coisa que Nirina respondeu.
Pensou em passar direito na clareira quanto estivesse voltando à casa de Arthus, pegando as estradas da floresta. Lembrou, no entanto, que estava sem sua capa e o capuz que ela tinha seria bem útil se quisesse dificultar seu reconhecimento. E se encontrasse alguém na casa? Algo lhe dizia que isso aconteceria.
Decidiu que iria para casa antes e conversaria com Arthus sobre o que aconteceu na cidade. De repente, lembrou com pesar do que aconteceu na chegada de Zahra e a oportunidade que perdera. O que será que Arthus diria a ela? Nem ao menos tinha certeza se era Zahra quem havia chegado, mas julgando pelo tanto de cavaleiros ao redor, provavelmente era.
Observou preocupada que o tempo estava se fechando e provavelmente choveria. Pensou em pegar as estradas da floresta que eram mais rápidas, mas, ao lembrar-se de Arthus, não conseguiu desobedecê-lo.
Andou o mais rápido que pode, mas não foi capaz de chegar em casa sem pegar chuva. Respingava fria em seu rosto e a fazia lembrar-se da magia que corria em suas veias. A água a molhou inteira, mas era uma sensação boa, até que o vento começou a soprar mais forte. Nirina começou a sentir frio, sua pele arrepiou e ela desejou que a viagem terminasse logo. Sentindo o vento, lembrou mais uma vez o mago de ar que encontrara na cidade e a energia estranha que ele emanava. Esperava que Arthus tivesse respostas.