Riana
foi até seu quarto, vestiu uma calça comprida e calçou uma bota fechada,
acrescentando uma blusa de manga comprida para que pudesse sair de casa e andar
confortavelmente. Sem querer atrair a atenção das pessoas de sua casa e da
cidade, pegou um sobretudo preto com capuz e o enfiou dentro de sua bolsa. Com
a desculpa de que visitaria amigos, sua mãe assentiu quando ela saiu, desejando
que se cuidasse no caminho e estivesse em casa antes do escurecer.
Praguejou
quando percebeu que garoava, pouco, mas ainda assim era o suficiente para
incomodar. Afastou-se da saída da cidade e colocou o casaco, jogando o capuz do
tecido preto sobre a cabeça, enrolando o comprido cabelo e deixando-o para
dentro das roupas.
Mordeu
o lábio inferior e continuou a andar. Fazia mais ou menos uma hora e meia que
Nirina havia deixado sua casa dizendo que pretendia explorar a casa de madeira
da floresta. Preocupou-se pensando se a amiga estaria lá e no que aconteceria.
Por alguns segundos, arrependeu-se de ter aceitado o pedido do homem que
encontrara mais cedo.
Ele
aparentava ser estranhamente confiável. Disse à garota que lhe pediria algumas
informações e nada mais e, em troca disso, poderia lhe ensinar magia se
desejasse, e que seu nome era Ian. Cheia de uma esperança que duvidava que
pudesse dar algum fruto, ela assentiu, dizendo que não daria certeza, no
entanto, de que apareceria. Agora, uma curiosidade inexplicável a levava ao
lugar que ele havia indicado: à mesma casa de madeira que Nirina havia dito que
queria explorar.
Pensou
no apurado “sexto sentido” da amiga, que parecia sempre ter uma voz um tanto
quanto forte em sua cabeça que, na maioria das vezes, indicava para a aprendiz
o que ela devia fazer ou evitar. Suspirou, pensando em como queria ter nascido
uma maga. Talvez assim ela tivesse a mesma habilidade. Devia ser mais uma das
coisas de mago.
Preocupada,
pensando em mil coisas, Riana seguiu seu caminho. Perguntava-se a todo instante
se não estava sendo ingênua demais: uma garota nova aceitando o convite de um
homem mais velho a uma casa isolada na floresta. Olhou para o chão enquanto
tomava o caminho contrário às estradas laterais, em frente a seu destino.
Quando
avistou a clareira, parou e observou a casa. Parecia uma casa comum, inabitada,
no entanto, e Riana não sentiu nada de obscuro ou estranho como Nirina havia
mencionado mais cedo. Apertou os olhos e se perguntou se não estava seguindo
sua própria morte. Seu coração disparou quando ela deu um passo à frente,
motivada por uma força quase externa a seu corpo. Ansiosa, permitiu-se um
sorriso fraco. Sempre havia mesmo lamentado a vida comum que levava enquanto
sabia que magos e aprendizes poderiam aprender coisas bem mais interessantes.
Assim
que pôs os pés na escada da varanda, a madeira rangeu e seu coração disparou
mais uma vez. Olhou em volta como se tivesse medo de que alguém a pudesse estar
observando, mas não avistou ninguém. Sentia mais presenças a sua volta, como se
várias pessoas estivessem ali de uma só vez, mas não via ninguém. Seria a
presença de magia no ar? Mordeu o lábio inferior e decidiu que voltaria. Deu as
costas à casa, mas, quando ia dar um passo, ouviu o barulho de uma porta se
abrindo.
—
Com licença — disse a voz de um homem, que ela reconheceu. — A casa pode estar
toda fechada, mas seus anfitriões a esperam — ele acrescentou, e ela percebeu,
pela voz, que ele sorria. — Sei que está assustada, Riana, mas não se
desespere. Não queremos nada de você se não estiver disposta a contribuir.
Riana
se virou com cuidado e observou o homem que havia encontrado na cidade mais
cedo. De fato ele era bonito e simpático, e exibia um sorriso sincero. Seus
anfitriões? Nós? Quem mais poderia estar com ele? Não havia mencionado isso
antes. A garota não disse nada em resposta e moveu-se em direção a Ian.
Observou seu cabelo escuro e curto e seus olhos igualmente castanhos, espertos.
Ele lembrava um pouco Nirina. Era provável que fosse nascido em Sira.
O
anfitrião deu espaço para que a garota entrasse e, além dele, havia mais uma
pessoa ali, que a recebeu com um aceno de cabeça extremamente formal, e nenhum
sorriso. Ian fechou a porta atrás de sua convidada e a indicou um assento.
Arthus
esperava ainda com seu livro que Nirina tomasse um banho e vestisse roupas
secas. A aprendiz havia dito que tinha muito o que contar, e o mago se pegou um
pouco ansioso pelas notícias, afinal, seus dias também eram entediantes às
vezes.
Assim
que Nirina chegou, Arthus se retesou no sofá e largou o livro de lado, olhando
carinhosamente para a jovem maga, que mantinha no rosto um olhar decepcionado e
preocupado ao mesmo tempo. Ele quis perguntar o que tinha acontecido, mas
esperou até que a garota começasse a falar espontaneamente.
—
Primeiro de tudo — disse ela, sentando-se ao lado de Arthus, estranhamente
reflexiva —, eu não consegui ver Zahra. Cheguei a ver os cavaleiros e os
guardas, mas a carruagem onde ela provavelmente viajava estava toda fechada.
Nem sinal de que era realmente ela.
Arthus
sorriu com pesar. Porém, julgando pelo “primeiro de tudo”, imaginou que fosse
somente uma das coisas que ela havia para contar, e talvez a menos importante.
—
Tem outra coisa, Arthus, e quero ser completamente sincera com o senhor em
relação a isso.
—
Pois não, Nirina? — ele disse, apoiando uma das mãos sobre seus ombros. — Você parece
preocupada.
—
Não estou realmente preocupada, mestre, estou mais pensativa. Várias coisas vêm
me acontecendo esses últimos dias e, desde que comecei a aprender magia, sinto
que a minha mente tem mudado.
Arthus
ergueu uma sobrancelha, encostando-se no sofá.
—
Conte. Não vou interromper.
—
Antes de falar sobre minha mente — ela pausou, olhando para baixo como se
procurasse os detalhes do que havia acontecido na cidade —, eu acho que
encontrei um mago de ar observando a carruagem.
O
mago apertou os lábios, reprimindo a vontade de perguntar a ela como constatara
tal afirmação. Esperou que a aprendiz tomasse seu tempo.
—
Aconteceu da seguinte forma. Eu e Riana estávamos em uma das mesas dos bares da
avenida principal, onde era provável que Zahra passasse. Conversávamos, quando
percebi que sua atenção estava focada em um ponto além de mim. Pensei que fosse
Zahra e olhei para onde seu olhar parecia estar focado, mas não vi nada, então
a questionei. Ela disse que tinha visto um homem bonito e nada mais.
Nirina
esperou e, quando seu mestre assentiu com a cabeça, ela continuou.
—
Por isso, não dei muita importância, mas depois que a carruagem passou, vi
Riana olhando novamente do mesmo jeito para um ponto fixo, e ela disse ser o
mesmo homem. Quando foquei minha atenção nele, senti uma energia diferente e
estranha emanando dele. Era meio sufocante — Arthus se arrumou no sofá,
registrando cada informação —, como se reprimisse minha alma. Pensei em ir
atrás dele. Minha consciência me disse, no entanto, para não fazê-lo. Sou
acostumada a essa voz e eu geralmente obedeço, mas dessa vez eu fiz o contrário
e fui atrás dele.
A
expressão de Arthus mudou para levemente preocupada, mas Nirina o tranquilizou
com um sorriso.
—
Nada de mais aconteceu, no entanto. Ele não pareceu ter percebido a
perseguição, mas assim que ele virou uma esquina que dava para uma rua sem
saída, ele desapareceu. Imaginei então que ele tivesse se escondido quando
minha consciência me alertou e me orientou a olhar para cima. Quando o fiz, não
consegui ver nada. Por isso, resolvi voltar para junto de Riana.
—
Assim que a vi, o mesmo homem estava junto dela. Foi quando tive mais
evidências de que ele era um mago de ar. — Arthus sustentava uma expressão
pensativa. — Eles conversavam normalmente e, quando Riana me viu, apontou em
minha direção, fazendo o estranho me olhar. Não tive tempo de me aproximar,
pois ele começou a levitar e a subir, rápido, em direção ao telhado do bar onde
estávamos. Lembrei que você havia dito que os magos de ar são os que geralmente
aprendem mais rápido a flutuar pela abundância do elemento que controlam, então
imaginei que fosse um deles. E ele desapareceu sobre os telhados.
A
aprendiz parou de falar e seu mestre ficou em silêncio. Pensou então em algo
para dizer.
—
Riana me contou depois que o mago de ar havia perguntado meu nome a ela.
—
O que mais vem à minha mente é: por que um mago faria tal demonstração em meio
à cidade? Não são poucos os magos que gostam de se gabar de suas habilidades,
mas nunca imaginei que um mago de ar sairia voando por aí em pleno dia. Depois,
porque ele perguntou seu nome é difícil sabermos. Pode ter sido pelo simples fato
de tê-la notado o perseguindo — acrescentou. — Tem coisas que eu gostaria de
perguntar. Antes, tem mais algo que queira me dizer?
—
As vozes em minha cabeça. Desde cedo tenho ouvido a elas, e acredito que todas
as pessoas, até as que não são magas, têm um sexto sentido que as alertam em
situações de risco. Gosto de acreditar nisso — ela sorriu. — Mas elas têm
ficado mais frequentes, cada vez mais. Não entendo. E é sobre tudo, não só em
situações de risco. Às vezes olho para uma pessoa na rua e penso “Ela vai
deixar sua sacola cair e, em seguida, vai abaixar para recolhê-la”. Segundos
depois, realmente acontece.
Nirina
ficou silenciosa ao perceber que seu mestre olhava para o nada, completamente
perdido em seus pensamentos. Precisava contatar o Rei ou algum outro mago.
—
Arthus? O que foi? — ela perguntou, tocando suavemente sua mão com a ponta dos
dedos.
—
Essa energia que você sentiu emanando dele não é um bom sinal, Nirina, mas
também não são todos os magos que conseguem senti-la.
Ela
o encarou, consternada.
—
Acho que você precisa de um novo mestre, Nirina.
—
Eu? Por quê? Estou bem com seus ensinamentos, Arthus!
—
Não se trata disso — disse ele, em tom afável. — Você pode estar desenvolvendo
habilidades de uma maga clarividente.
Nirina
sentiu sua pele arrepiar e seu olhar perder o foco por um instante. Sem saber
como reagir, olhou para Arthus e em seguida encostou-se ao sofá, olhando para o
teto e deixando que seus pensamentos se perdessem.
Riana
se acomodou no assento indicado por Ian e tentou se sentir confortável. O olhar
do outro homem às vezes pousava em si e ela se sentia um tanto intimidada.
Quase pediu para Ian que o apresentasse.
—
Então — começou Ian, andando pela sala e abrindo os braços — você quer aprender
magia sem ter sangue de mago. É isso mesmo?
—
Isso mesmo — assentiu Riana, com um leve e trêmulo sorriso. O outro mago a
olhava enquanto ela falava, ainda sem demonstrar o mínimo de simpatia. — Eu
tenho como aprender? Você mesmo vai me ensinar?
—
Se eu mesmo vou ensinar? — Ian riu da descrença da garota. — É claro que eu
mesmo vou ensinar. E é claro que tem como aprender. Senão não teria te pedido
para vir até aqui.
Ian
tinha uma simpatia radiante, que atraiu a atenção de Riana assim que seus olhos
pousaram sobre ele. Já o outro mago não era assim tão bom anfitrião,
mantendo-se em silêncio em seu assento, observador. A garota ficou quieta por
alguns segundos então tomou coragem para perguntar sobre o colega do mago de
ar.
—
Seu colega é um mago também?
—
Não fale de mim como se eu não estivesse aqui — resmungou o outro mago, sem se
mover. — Se quer saber algo sobre mim, pergunte. Estou aqui.
Riana
se moveu nervosamente diante de seu olhar intimidante.
—
Você — esforçou-se para não tratá-lo por “senhor” — é um mago também?
—
Sim — respondeu, seco. Não era do tipo que aproveitava qualquer oportunidade
para puxar assunto.
—
De verdade? De ar também?
O
homem suspirou diante da pergunta.
—
Não. Meu elemento é o fogo.
Riana
olhou com óbvia desconfiança no olhar, o que fez o mago de fogo suspirar mais
uma vez.
—
Quer uma demonstração? — ele estendeu uma das mãos, abrindo-a, rápido, e em um
instante fez surgir uma chama flutuante diante dos olhos da garota. — Isso deve
ser o suficiente — chacoalhando a mão em um movimento suave, dissipou a chama.
— Não sou um mágico, garota. Sou um mago.
—
Ela desconfiou de mim também — disse Ian, sorridente.
—
Fiquei sabendo que a sua demonstração foi mais atrativa, no entanto, Ian.
O
comentário apenas arrancou uma risada do mago de ar e ele voltou o olhar para
Riana, que estava em silêncio.
—
O que quero lhe pedir é simples e eu vou tentar lhe explicar de forma
igualmente simples: como mago, eu consigo sentir a presença de outros magos —
disse, obviamente ocultando algumas informações. Talvez para simplificar,
talvez por conveniência. — Eu senti a presença da sua amiga hoje cedo, a... —
Pausou, tentando se lembrar do nome que havia obtido mais cedo.
—
Nirina — Riana ajudou.
—
Exatamente, a Nirina. Senti a presença mágica dela, assim como ela pareceu ter
sentido a minha, mas não a sua. Imaginei que talvez você estivesse interessada
em aprender magia, já que tem uma amiga com o dom natural, e você não o tem.
Riana
se encolheu um pouco no assento, assentindo com a cabeça.
—
Eu sempre quis, mas soube por Nirina que é preciso ser filho de magos para
controlar um dos elementos — ela acrescentou. — Como conseguirei, se meus pais
não são magos?
—
Ora, ora, minha cara Riana — disse Ian, em tom misterioso. — É preciso ser
filho de magos para manipular um dos elementos, mas não é preciso ser filho de
magos para aprender magia.
A
mais nova aprendiz se retesou em sua cadeira, incrédula e cheia de dúvidas.
—
Explique-se logo, Ian — interrompeu o homem misterioso. — E não iluda a garota.
Diga tudo o que tem que ser dito.
Ian
encolheu os ombros e sorriu sem jeito.
—
Certo. Veja bem, Riana. Sua amiga, Nirina, é digna de atenção. Seu poder mágico
é grande e crescente, e nós estamos... — pausou, encontrando a melhor palavra,
então prosseguiu — monitorando esse tipo de magos. Você vai ajudar eu e meu
amigo aqui — disse, estendendo a mão para o mago de fogo — e nós vamos lhe
ajudar, ensinando-lhe magia invocativa.
—
Magia negra — disse o outro mago, sem rodeios.
—
Hazael! — ele disse em tom áspero, então Riana soube seu nome. — As pessoas têm
medo do nome magia negra. Eu prefiro chamar de magia invocativa.
—
Encare como é — respondeu Hazael, igualmente sério. — A magia negra, garota, é
a única que pode ser ensinada a pessoas que não tem sangue de mago. E ela
realmente consiste em invocar criaturas a seu serviço.
Riana
sentiu a pele arrepiar. Então estava se envolvendo com magos negros?
—
Mas a magia negra é má, não é? — disse Riana, falando pela primeira vez em
muito tempo.
—
Viu, Hazael? — Ian balançou a cabeça negativamente, desaprovando a atitude do
amigo. — As pessoas têm medo desse nome.
—
Ela não é, de todo, má — respondeu Hazael, ignorando Ian. — Os custos para
usá-la é que são um pouco altos.
—
Quais são eles? — ela se arrumou novamente no assento, sentindo-se muito
curiosa. Agora que conversava com eles, os dois homens pareciam confiáveis e
não queriam esconder nada dela, desde que ela os ajudasse com seus objetivos.
—
Pergunte a seu professor — disse o mago de fogo, espreguiçando-se. Sua voz
sempre tinha um tom displicente.
—
Então, Ian?
—
Vou lhe explicar tudo, cara Riana. Agora, diga-nos: está disposta a contribuir
com as informações que lhe pedirmos? Devo dizer, de antemão, que muitas das
perguntas envolverão Nirina. O que vem a calhar, pois vocês duas são amigas.
Riana
olhou pelo cômodo da casa por um tempo enquanto analisava todas as
alternativas. Pensou em Nirina e se ela consideraria isso como uma traição. Era
o que pareceria. Mas ela não precisa
saber, pensou. Encarou Ian, então assentiu.
—
Certo, Ian — disse, assentindo — e Hazael.
A
menção ao nome fez o mago de fogo sorrir, sem olhar para a garota.
—
Pensando bem, antes de começar as aulas, tem uma coisa que eu acho que já
deveria dizer a vocês.
Hazael
riu alto, assustando Riana.
—Veja,
Ian! Parece realmente que todo o seu charme irresistível para atrair garotas
finalmente serviu para algo! Você deve ter escolhido bem. Não é mesmo, Riana?
A
garota se encolheu, sem saber se encarava aquilo como um elogio ou uma
provocação, já que ele deixava claro que ela havia sido atraída, inicialmente,
pela boa aparência de Ian. Mas o que a fez se arrepiar mesmo foi quando Hazael
a chamou pelo nome. Sem saber como reagir, manteve-se em silêncio.
—
Pois não? — disse Ian, dessa vez ignorando Hazael, mas não sem um sorriso
discreto.